Sobre Airton Uchoa

Escritor, leitor e sobrevivente.

CARLOS, SORRIA

Se acalme, Carlos, a política
É mesmo a lama que o senhor está vendo
Hoje perde amanhã —  também
Hoje é segunda-feira de trabalho e
Se há trabalho
Amanhã também
 
 
Não adianta espernear
Nem se demitir
Pelamor de Jah não se demita
 
 
Espere as horas livres

ANDROMAQUIA

Sou um homem só e nu
Na noite da cidade de
Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção
Aos seus quarenta e cinco anos
 
Não penso o carinho perdido
Como na matemática cruel dos prejuízos
Esqueço que ao redor há milhões de pessoas
Quantas além de

PONTO GRAMATICAL

Os livros são objetos
Nem sempre objetivos
No que dizem mas,
Ainda assim, objetos
Como bananas ainda
Que não comestíveis
Os livros em geral
São feitos de palavras
Impressas em papel
Que aceita tudo
Diz o povo
Que nem sempre
Tem em casa
Livros

 
Os livros não têm dentes
Se não

A INVENÇÃO DA AVÓ DESCONHECIDA

Um arranjo de palavras
Não muda o fero mundo
Sangra em vão o poeta
O poeta é uma mulher
Que ouve Roberto Carlos
No escuro oco do mundo
 
Maria Moura de Souza
Pequenina concentrada
Preta forte bonita
Abandonada pelo
Branco marido
Nunca pelos orixás
 
Maria Moura de

AVENIDA NOITE À NOITE

Para Bálint Urban e
Eduardo Francelino
Caminhemos então
Pois somos pobres
Temos somente
O somente do somente
E além disso um ao outro
O mundo
— Amor, eu prometo —
Nada saberá
Das nossas guerras secretas
O mundo
Não saberá
(Nem quer saber, aliás)
Que nos corroemos
Que temos ossos

HEY MR. ROBERT ZIMMERMAN

Já não existem trens
Os vagabundos
Já sem poesia
São só gente com fome
Já não existem telefones fixos
Por mais que haja lágrimas do outro lado
Se é que ainda há mesmo o outro lado
As lágrimas sim ainda existem
Ainda existem ainda existem
Ainda falta

VERDES FLORES BRAVIAS

Descobri certa feita
Que existem flores verdes
Flores verdes que mal se distinguem
Da mera folha verde folha
Flores verdes flores verdes eu pensei
Pois que me pareceu
Não fazia sentido a natureza
As flores verdes de uma planta eram
Como um amor discreto
Tímido apesar de

SHAKESPEARE MENOS UM

Apenas uma vida tenho
Para do meu amor dizer
Ao menos uma mínima
Positividade. O tempo
Enquanto isso, passa.
Viajamos, vivemos e
Como podemos, somos.
Não quero da declaração
Uma única lágrima. Não,
Não é feio o meu amor,
Não é feio o meu desejo,
Não é feio o meu corpo,
Coisas

O LIVRO DO PERDÃO

Perdoem, irmãos, a longa ausência
Sei que inda assim de mim falaram
Que nunca fui, portanto, tão presente
Perdão, irmãos, amigos escolhidos,
Perdão sobre perdão. Me cerquei
De livros, também vossos amigos,
Muito espero. E pensei, pensei,
Pensei coisas de bar e botequim
Mui semelhantes àquelas outras
Que nos

SIGNO-SINAL

Um dia vou morrer
Isso diz muito
Ou mesmo tudo
Pensamos mesmo a morte
Quando pensamos a morte
Que até esquecemos
Que mesmo pra pensar na morte
Ainda é preciso estar
Minimamente vivo
Um dia vou morrer
Isso é certeza
Tão certa quanto a filosofia
E a besteira
Um dia vou morrer
Até lá