Nesses tempos de trevas, embrutecimento e negacionismo, gênese do bolsonarismo, tenho dedicado parte do meu tempo a estudar e pesquisar sobre a natureza da corrupção, tentando compreender a formação da corruptopatia!
O objetivo é assimilar a compulsão sem limites, bem assim a predileção de alguns maus brasileiros, que se situam no andar de cima, no dizer de Elio Gaspari, especialmente daqueles que atuam no âmbito dos governos, em suas três esferas.
Confesso que tenho dificuldade de alcançar as razões e motivações que conduzem a entender assim alguns dirigentes das grandes empresas, estatais ou privadas, nas várias áreas da construção pesada; e outras, inclusive multinacionais, prestadores de serviços de alta complexidade como tecnologia, consultoria de inteligência; enfim, os fornecedores em geral, por trabalharem preferencialmente à margem do que preconiza o republicanismo, em seu sentido mais ortodoxo.
Para o senso comum, a razão e a origem desse comportamento anti-republicano são encontradiças na história da nossa colonização. Esse devaneio, além de reducionista, é falso, pois, se verdadeiro, seria validar a proposição segundo a qual a sociedade é toda corrupta, o que não encontra amparo na História, tampouco no agir coletivo, pois o que prevalece, além da índole pacifista e ordeira, é o entendimento consoante o qual o povo brasileiro é, por excelência, honesto e trabalhador.
Em geral, esses agentes corruptos, tanto do setor público como do terreno particular, que se relacionam com a estrutura de poder do Estado brasileiro, embora não sejam necessariamente cultos, são experientes, transitam por culturas internacionais, possuem boa formação e detêm um bom nível de conhecimento e informação. Alguns, ouso exprimir, em decorrência da formação que tiveram, beberam nas fontes do pensamento iluminista do século XVIII, período em que, na Política, se forjou e se implantou a divisão dos poderes (Montesquieu), e se instituíram outros paradigmas civilizatórios.
Foi do Século das Luzes, o tão historicamente conhecido Alfklärung, que herdamos as ideias de liberdade, a compreensão da imprescindibilidade da política para militância na vida pública, vigentes ainda em tempos hodiernos. Não é fantasioso lembrar o fato de que, no período da Ilustração, também havia a ideia e a pretensão de que o Estado ia exercer o controle sobre tudo e todos. A guilhotina – cujo emprego foi sugerido pelo médico francês Joseph-Ignace Guillotin – em certo sentido, foi um símbolo desse tentame controlador, embora tenha sido esse um período de grandes transgressões na vida privada.
Não por acaso, grande parcela da nossa elite do início do século XX buscou formação em países da Europa, onde o pensamento iluminista predominava. Se essa é a nossa matriz, pelo menos daqueles de quem a extensão da História detém o poder político e econômico, como, então, explicar todo o descontrole que observamos com as coisas do Estado? De que modo conceber todo esse sentimento de apropriação e desprezo pelo que é público?
Confesso não ser capaz de asseverar, peremptoriamente, que o problema reside na cultura corrupta, inerente ao setor público, ainda que a modalidade de organização do Estado, antes da organização da sociedade, configure um indicativo dessa distorção.
Para mim, como cidadão que se interessa pelos valores da Res publica, o entendimento de que a perversão moral e fazendária é algo inerente ao setor público é uma óptica disseminada pelos ditos “letrados, politizados e urbanos”. Esses possuem assento nas redações da chamada mídia grande, composta pelos imponentes sistemas de rádio e televisão, agências de notícias nas redes de media digitais, jornais e revistas de circulação nacional, e regional, que ainda teimam em circular, bem como no Poder Judiciário em suas várias instâncias.
A maneira como atuaram e ainda agem nos vários períodos da História, quase sempre assentes nos proveitos corporativos, alternando entre os próprios interesses e dos vários grupos privilegiados, é parte desse modo de operar. Historicamente, esses grupamentos foram alimentados por uma relação malsã com o poder político, em detrimento das reais vantagens coletivas, especialmente dos menos favorecidos.
É sobejamente notória a morosidade histórica do Poder Judiciário, são nítidos os interesses comerciais dos órgãos de imprensa junto aos governos, bem como diáfanas se constituem as relações promíscuas entre todos, tudo isto se conformando, com efeito, em um grande indicativo do agudo processo alimentador e mantenedor da corrupção, que, num crescendo, os transforma em manteúdos desse fenômeno, natural para eles, e que dizem combater.
O que fazer para desconstituir uma matriz com raízes e tentáculos tão profundos, com alcance e espectro tão abrangentes?
Ancorado no que me afoito chamar de princípios gerais para a democracia do século XXI – configurados em “liberdade para ser e fazer” (condições objetivas) “pluralidade para se expressar e ser aceito” (minorias) “cidadania de direitos” (acesso a todos os serviços essenciais) – sugiro a todos os homens e mulheres, indignados com esse vazio de princípios, que façamos um pacto pelo exercício da cidadania efetiva, com amparo na correção de muitas das próprias condutas, para que, assim, iniciemos uma revolução silente para refundação da sociedade, agora edificada sobre novos padrões de comportamento civilizatórios. Para um país melhor, é preciso, primeiro, uma sociedade de perfil superior.
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