Fortaleza, bela urbe de quase três milhões de habitantes, banhada por verdes mares, presenteia-nos com lindas praias de extensas faixas de areia branca, adornadas por jangadas com suas velas coloridas, e do que restou dos outrora vastos coqueirais, donde sopram ventos constantes que desalinham os negros, castanhos, loiros e ruivos cabelos das suas belas mulheres, tornando-as ainda mais lindas, exuberantes e sensuais!
Pelas jangadas a vela que zarpam do Mucuripe, sob o sol e a lua, Fagner, Belchior, Ednardo, Fausto Nilo, dentre outros, navegaram milhas e milhas de poesias e letras de belas canções, realçando suas belezas. Bem antes, José de Alencar entalhara uma Iracema com seus lábios de mel, em um cenário de litoral, serras e sertão literário, revelando o talento criativo, a cultura e a Fortaleza de sua gente,nascida e/ou acolhida por essa cidade.
A moderna arquitetura que brota por entre o verde de seus parques nas nobres áreas residenciais e dos luxuosos centros de consumo,somada às suas exuberantes belezas generosamente legadas pela natureza, fazem com que muitos finjam não perceber a existência de outra cidade, só lembrada em períodos de eleição, densamente ocupada pela população trabalhadora, disfarçadamente apelidada pela elite dirigente de cidade oeste – sinônimo de pobreza e abandono –na vã tentativa de querer esconder suas extensas áreas degradadas, onde os serviços básicos de saúde, segurança e limpeza urbana não chegam, assim como o saneamento básico, mas sobram esgotos correndo a céu aberto, onde crianças brincam em meio a lama junto com os porcos, por entre as estreitas ruas e vielas.
Paradoxalmente, através dos Hubs aéreo e de cabos submarinos, estendidos aos vários continentes, essa cidade pretensamente moderna se conecta ao mundo, transformando-se em uma aldeia global macluhaniana na definição do filósofo canadense Marshall McLuhan, criando, pelo menos na aparência, a imagem de metrópole cosmopolita, economicamente desenvolvida, ao tempo em que, pela aguda pobreza e desigualdades que afloram dos guetos, onde moram os invisíveis e segregados da maioria dos seus cidadãos, se revela uma urbe paupérrima socialmente injusta, e ambientalmente degradada.
Aqui eclode o apartheid econômico e social, que persiste e resiste no tempo, com múltiplas evidências, não só do descaso do poder público, como também pelo preconceito, discriminação e racismo estrutural, da parte de uma elite “neo–insensata”, cuja ação dos gestores, no decurso da história, teima em não priorizar políticas efetivas de inclusão para as pessoas mais pobres, em acelerada pauperização, decorrência do agudo agravamento na pós–pandemia.
O mais preocupante, para não dizer trágico, é que, quando se examina o cenário de curto e médio prazos, com base no debate em curso pelos grupos de poder e seus candidatos em disputa para as próximas eleições, o que se observa são promessas vazias, travestidas de propostas para resolver problemas complexos. Não é demais afirmar que, em geral, são as mesmas e mofadas ideias, defasadas no tempo, não oferecendo qualquer perspectiva de mudança dessa vergonhosa e perversa realidade.
Nessa perspectiva, a reflexão que se impõe sobre os graves problemas econômicos e sociais que enfrentamos – e que deverão se agudizar na pós–pandemia – diz respeito ao desemprego, a exigir uma inadiável ação de geração de renda para esse estrato da população, que consideramos o mais grave e urgente. Aqui o objetivo é cobrar, dos candidatos, que debatam e ofereçam ideias e soluções em seus programas eleitorais e mídias sociais, a respeito de como pretendem resolvê-lo, para que as conheçamos.
É de saber geral a noção de que quem se elege tem o dever político-administrativo e a responsabilidade social de governar, espacialmente, para toda a cidade, tendo como horizonte a melhoria das condições de vida dos seus cidadãos, especialmente dos mais pobres que compõem a maioria da sua população historicamente esquecida e aviltada em seus direitos. No contexto da multidimensionalidade da pobreza e das desigualdades, é imperioso que os postulantes façam propostas factíveis, considerando a magnitude desses problemas, e consoante com as condições econômico-financeiras da Prefeitura, porquanto uma política pública, para ser viável e ter efetividade, tem que responder a pelo menos quatro indagações a saber: quais são as evidências que justificam sua estruturação, quanto custa, de onde vêm os recursos e quem vai pagar. Até agora, o que vemos e ouvimos de todos os candidatos sãopromessas genéricas, sem qualquer fundamentação.
Com uma visão para os altos índices de desemprego em Fortaleza, que, ao lado de tantos outros, é o mais grave, o futuro prefeito tem o dever político-econômico e a responsabilidade social de estruturar e executar um amplo programa de geração de emprego e renda para acudir esse contingente da população e atenuar seus efeitos.
Diante de realidade tão adversa, resultante de uma dívida social histórica, somada à crise econômica que se vivencia, me permito fazer duas indagações, incluindo vários aspectos – para todos os candidatos:
a) Qual das senhoras e dos senhores poderia nos informar se conhece o tamanho da população desempregada; quantos mil fortalezenses estão nessa situação; o seu perfil profissional; e de que maneira, e em quais áreas, pretende atuar para desenvolver um programa geração de “trabalho e renda” para esse povo, quebrando a lógica empresarial do “emprego e salário”, no contexto de crise econômica e de saúde pública em decorrência da pandemia?
b) Quantos milhões de investimentos serão necessários, de onde virão esses recursos, e em quanto tempo, a partir do início do governo, essa política estará em execução?
Sabemos que uma política com a importância econômica e social como essa, e com a complexidade e abrangência que requer, exigirá do prefeito a capacidade de articulação e mobilização dos setores produtivos, para permitir a participaçãode múltiplos parceiros da iniciativa privada. Precisa-se saber quem serão eles, e de que modo o postulante pode assegurar o compromisso desses com essa política, em sendo eleito. Já combinou com os “russos”? – Digo: os empresários. Se não, estão nos enganando mais uma vez.
É cediço o fato de que uma política com esse alcance social não há de se fundar apenas na concessão de microcrédito, como está prometendo a maioria dos pretendentes a prefeito, como se houvesse recursos suficientes para atender a toda demanda. Aliás, o povo quer saber dos concorrentes que estão fazendo essa promessa de quantos milhões será essa carteira de crédito, quantas mil pessoas serão atendidas, e, além de estarem desempregadas, que outros critérios serão exigidos para que os interessados tenham acesso a essa linha de crédito. Se me permitem a franqueza, nem que a Prefeitura se transformasse em um grande banco municipal, seria suficiente.
A estruturação de uma política pública com o objetivo de atender à população mais pobre desempregada, e para que produza os efeitos desejados, evitando o desperdício dos recursos, precisa necessariamente quebrar a lógica tradicional do mercado, privilegiando uma estratégia de economia solidária na cominação do “trabalho e renda”, em vez do modelo usual do “emprego e salário”, adotado pelas empresas.
Em texto publicado recentemente pelas mídias digitais, o professor Renato Dagnino nos ensina que, “[…] a geração de renda para os mais pobres deve se dar através de um modelo de economia solidária, e não apenas em ‘distribuição de renda’, promovida por medidas compensatórias; faz-se necessária a reorganização do potencial socioeconômico e produtivo mediante empreendimentos solidários focados no cenário desejado”.
Olhando para essa realidade, o nosso objetivo é, tão somente, o de tentar qualificar o debate nessas eleições, durante o horário eleitoral e pelas redes sociais, com vistas a permitir que o cidadão possa ser mais bem informado sobre as ideias e as políticas públicas com as quais o eleito pretende governar uma cidade com um estoque de problemas como o que temos.
Como observador privilegiado da política no Estado, especialmente em Fortaleza, conhecedor da engenharia política montada para governá-la, bem como de seus problemas urbanos, assim como da sua alta concentração de renda, ao examinar ahistória e o perfil político dos atuais candidatos, não somos otimista; e até podemos inferir a ideia de que a cidade está sob ameaça, pois, de um lado, vemos o perigo da ascensão do bolsonarismo, com tudo de nefasto que representa, do outro a continuidade de uma ação política, a qual, não obstante os esforços e os avanços obtidos, já se provou incapaz de mudar essa realidade. Também faz-se necessário reconhecer que dentro do próprio grupo político que comanda o governo do Estado, e a Prefeitura, existem quadros de alto nível técnico e formação acadêmica, com alargada sensibilidade política e responsabilidade social, que poderiam contribuir de forma substantiva com o processo de oxigenação das ideias e com novas práticas de governança; para isso precisam ser chamados a servir na política, quebrando esse círculo vicioso onde as escolhas recaem sempre sobre os mesmos, nem sempre os melhores.
Embora essa percepção possa merecer alguns reparos e provoque discordâncias, o que é salutar àdiscussão, pois enriquece o debate, entendo que a política no Estado está reclamando uma quebra dessa hegemonia para provocar o surgimento de um renovado paradigma político e social, como ocorreu em 1986, com a ascensão do “mudancismo” (sem discutir seus métodos), que trouxe um modus operandi diferente de administrar os negócios do governo, conduzindo o Ceará ao estádio em que se encontra.
Não é sem propósito afirmar que, com algumas alterações na forma, o modelo de governar, e o grupo que ainda hoje está no poder e tenta se manter, conformam a extensão daquele movimento surgido no período pré–Constituição/88, que bem ou mal cumpriu o seu papel, e a população já percebe que de há muito apresenta fadiga em suas políticas e métodos de governar, exigindo a renovação de seus agentes e, principalmente, das ideias, o que remete para a própria sociedade o protagonismo e a responsabilidade de estabelecer essa renovação.
Resgatando um pouco da memória política do Estado, o ex-governador Virgílio Távora afirmava que, “[…] os ciclos políticos no Ceará duravam 25 anos”. O grupo que hoje está no poder já se aproxima dos 40 anos. Nas circunstâncias vigentes,o Estado e, especialmente, Fortaleza, reclamam por mudanças. Avante!
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