FILOSOFIA DA VACA: “FAZENDO” E ANDANDO

Os gerúndios Caminhando e Cantando, imortalizados na canção, “Pra não dizer que não falei de flores”, do genial Geraldo Vandré, símbolo da resistência de um passado recente da nossa história, seriam o título que eu gostaria de dar a este texto, caso a reflexão fosse sobre a democracia e as liberdades, tudo tão vilipendiado nesses tempos de escuridão.
Na imensidão desse descampado que tentamos atravessar, onde não nasce um verde arbusto de civilidade, crescem as cinzentas grosserias e a violência verbal, plantadas, cultivadas e distribuídas por quem tem o dever constitucional de adubar e regar o respeito para com a sociedade, além de zelar pela majestade do cargo, porém, ao contrário, não o dignifica, desonra a República e desrespeita a democracia, para gáudio daqueles que se veem representados pela ignorância, tomando conta de substantiva parcela da sociedade brasileira.

Ante a tão vergonhosa atitude do primeiro mandatário do País, peço vênia aos leitores pelo uso do fétido gerúndio do título da reflexão que trago hoje – aqui, porém, substituído por uma dicção sinônima – que como todos sabem foi usada na semana que passou pelo ocupante do Palácio do Planalto, em resposta a uma pergunta formulada por uma jornalista, a respeito dos crimes de prevaricação dos quais está sendo acusado, possíveis ilícitos investigados pelos MPF, e pela Policia Federal, a pedido do Procurador Geral da República, Augusto Aras, obrigado que foi pela Ministra Rosa Weber, do STF, que determinou mandasse abrir inquérito para apurar.

A fedegosa resposta – cuja repetição é defesa de expressar em um meio de propagação coletiva como é este jornal – define o nível de deseducação e incivilidade, bem como a maneira pela qual vem (des)governando o País. Achando pouco o fartum que nos invade o nariz, provocado pelo linguajar chulo com o qual nos agride diariamente pelas redes sociais e pela televisão, logo após responder à jornalista, com um “tô … pra vocês e para a CPI”, falando ao seu séquito composto em sua maioria por padecentes de parcos recursos mentais, que diariamente se postam diante do cercadinho na saída do Palácio da Alvorada, e se deliciam com o fétido show de distribuição de excrementos verbais, pronunciou mais mais essa pérola: “[…] eu sou igual ao cocô de vocês”; finalmente uma grande verdade!

Chega! Se ele se orgulha e saboreia fazer da boca o próprio reto, se não for atrofia mental, deve ser uma questão de paladar, já que o cérebro parece ser o intestino, mas os ouvidos do País não são latrina para os dejetos excretados pela boca daquele que foi eleito para governar uma população, em sua maioria formada por pessoas ordeiras, pacíficas e civilizadas, à extensão da história.

A chula expressão, bem ao gosto do presidente, deriva-se de um verbo igualmente malcheiroso, e que significa sujar-se com os próprios excrementos. Não seria problema se fossem apenas o presidente, seus seguidores e apoiadores do centrão, e da horda de motoqueiros a lambuzarem-se nas próprias dejeções, mas foram tantas as ‘defecadas’, até aqui, nesses últimos dois anos e meio, que a população já não suporta.

Somam-se, ainda, à imensa fossa em que se transformou esse governo, as chantagens e os xingamentos às instituições, que, além do bodum insuportável que exala da sujeira que a CPI, da Covid, vem revelando, temos ainda que conviver com as constantes ameaças à democracia. Os índices de desaprovação do governo em todas as áreas mostrados pelas últimas pesquisas, somados à parcela dos 70% dos que já não acreditam no mito da honestidade do presidente, revelam que a Nação chegou ao limite.

Tais fatos evidenciam que ele já não tem legitimidade para permanecer no cargo, e, embora ainda resista, está consciente dessa situação que a cada dia se revela mais insustentável, tanto do ponto de vista moral, como penal e político-administrativo, razão por que age cada vez mais de modo incompatível com o que deveria guardar como chefe da Nação, deixando antever que o desespero já bateu à porta do Planalto, levando-o a “chutar o pau da barraca”, digo, do palácio.

É na contextura desse desespero que o presidente voltou às velhas e conhecidas bravatas para ameaçar a população, quando afirma: “[…] ou fazemos eleições limpas, no Brasil, ou não teremos eleições”, sem apontar nenhuma evidência de que tenha havido qualquer problema com as últimas eleições no País, depois da redemocratização, e o uso das urnas eletrônicas, exemplos de modernidade e eficiência para o mundo. Essa sua fala, mais uma vez, afrontando a Constituição, e seu costumeiro comportamento infantil, agindo como um menino de quem tiraram da boca o pirulito (reeleição), o fizeram reforçar a ameaça, afirmando que, se não aprovarem o voto impresso, vai mobilizar os bolsominios de norte a sul do País e instalar a baderna. Este foi o mais eloquente atestado de quem está desesperado, e não mede mais as consequências no que diz, tampouco no que faz, muito menos no que pensa poder fazer.

Diante do esfarelamento do governo, se conseguir chegar até o final, a derrota é iminente, com a possibilidade de nem se colocar na disputa para o segundo turno, como mostraram as simulações nos vários cenários das pesquisas, publicadas na semana que passou, mais uma vez resolveu atacar Nação. Em tom ainda mais ameaçador, tentando amedrontar o acuado Congresso, e o Supremo Tribunal Federal – STF, a pretexto de responder ao senador Omar Aziz, presidente da CPI, da Covid, pelas críticas que fez ao governo, pelo envolvimento de alguns militares do Exército, no escândalo da compra de vacinas superfaturadas, fez o Ministro da Defesa, general Braga Neto, assinar uma nota conjunta com os comandantes das forças armadas, para demonstrar ter o apoio dos militares, e, mais uma vez, atentar contra a democracia.

Essas horrendas e indignas atitudes exigem do Brasil inteiro uma reação, seja agora pelas suas instituições, ou em 2022, por meio das eleições, cuja atitude vai definir o tipo de sociedade e de Pais que queremos definitivamente estabelecer.

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Arnaldo Santos

Arnaldo Santos é jornalista, sociólogo, doutor em Ciencia Política, pela Universidade Nova de Lisboa. É pesquisador do Laboratório de Estudos da Pobreza – LEP/CAEN/UFC, e do Observatório do Federalismo Brasileiro. Como sociólogo e pesquisador da história política do Ceará, publicou vários livros na área de política, e de economia, dentre eles - Mudancismo e Social Democracia - Impeachment, Ascenção e Queda de um Presidente - sobre o ex-Presidente Collor, em 2010, pela Cia. do Livro. - Micro Crédito e Desenvolvimento Regional, - BNB – 60 Anos de Desenvolvimento - Esses dois últimos, em co-autoria com Francisco Goes. ​Arnaldo Santos é membro da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo – ACLJ, e da Sociedade Internacional de História do século XVIII com sede em Lisboa.

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Arnaldo Santos

Arnaldo Santos é jornalista, sociólogo, doutor em Ciencia Política, pela Universidade Nova de Lisboa. É pesquisador do Laboratório de Estudos da Pobreza – LEP/CAEN/UFC, e do Observatório do Federalismo Brasileiro. Como sociólogo e pesquisador da história política do Ceará, publicou vários livros na área de política, e de economia, dentre eles - Mudancismo e Social Democracia - Impeachment, Ascenção e Queda de um Presidente - sobre o ex-Presidente Collor, em 2010, pela Cia. do Livro. - Micro Crédito e Desenvolvimento Regional, - BNB – 60 Anos de Desenvolvimento - Esses dois últimos, em co-autoria com Francisco Goes. ​Arnaldo Santos é membro da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo – ACLJ, e da Sociedade Internacional de História do século XVIII com sede em Lisboa.