Felini – vida, poesia e sonhos – ALDER TEIXEIRA

Em 2020 o mundo do cinema festejará os 100 anos de Federico Fellini. A Faculdade Ari de Sá, a Academia Cearense de Cinema e o Grupo de Estudos Só Freud, reeditando o pioneirismo com que ressaltaram a obra de Ingmar Bergman por ocasião do seu centenário, em 2018, realizando um dos mais importantes acontecimentos sobre o cineasta sueco em nível nacional, antecipam-se mais uma vez como instâncias de discussão da produção cinematográfica mundial e abrem o debate, nesta quinta-feira 12, para a reapreciação da obra de Federico Fellini.

 

Como um dos seus coordenadores, e debatedor oficial do evento, ao lado de Regina Alcântara, Régis Frota e outros cinéfilos da cidade,* não poderia deixar de ressaltar esta iniciativa como uma das mais significativas no âmbito de valorização e discussão da obra de um dos gênios da sétima arte.

 

Filho de Rimini, cidade litorânea da Itália, Federico Fellini, no entanto, é mais que um dos gênios do cinema. É, sob muitos aspectos, na mesma proporção de Ingmar Bergman, um dos realizadores mais originais, mais inventivos e mais “autorais” de todos os tempos. Sua obra, perpassada de elementos estéticos em igual medida transgressores e poeticamente prodigiosos, sustenta-se, entre outras características, num tipo de memorialismo apurado como expressão artística, e faz de Fellini um criador ainda não examinado em toda a sua complexidade. Esta, mais ainda, uma das razões por que se deve aplaudir o seminário Fellini, Vida, Poesia e Sonho.
Mas Fellini, dizíamos, é muito mais que isso. Embora historicamente exaltado pelo esteticismo de sua obra, e pela inegável vocação para a expressão de suas inquietações autobiográficas, que constituem mesmo uma das pedras de toque de sua cinematografia, falar de Federico Fellini é falar de um artista conscientemente dedicado a questionar qualquer tipo de aura ou mistificação da arte. Nesse sentido, ainda que se valendo de uma imaginação vertiginosa na construção do filme, na perspectiva do que fez em películas emblemáticas do seu estilo, como Os Boas Vidas e Amarcord (ambos inseridos na programação do evento), a filmografia de Fellini é um grito de resistência contra os mecanismos de dominação da sociedade capitalista e da cegueira resultante da Industria Cultural.

 

Oriundo da geração dos anos 50, o Neorrealismo à frente, Fellini é legítimo representante do que se convencionou chamar de “política dos autores”, na expressão feliz de François Truffaut. Mas isso, se se presta a evidenciar o eixo estético por que se norteavam os cineastas do Neorrealismo e da Nouvelle Vague, sobretudo, que em linhas gerais tinha por objetivo evidenciar a importância do diretor no processo cinematográfico, mais ainda deve destacar o caráter político do cinema. Desse modo, se a filmografia do autor de Oito e Meio dá a ver o seu apuro estético, o absoluto domínio da carpintaria cinematográfica e a beleza plástica de uma arte superior, não se deve fechar os olhos para o substrato filosófico que a norteia. Sua arte se contrapõe aos valores culturais dominantes, protesta contra os fatores da indústria e do comércio, o poder dos grandes estúdios e do culto às celebridades. Esta a razão por que seus filmes, quase sem exceção, giram em torno dos marginalizados, dos transgressores, dos clowns, na linha de outros gênios, como Charlie Chaplin e, em dimensões menores, William Shakespeare.

 

É contra todo e qualquer obscurantismo, todavia, que se volta sua arte, sobretudo quando repensa criticamente certa ingenuidade do Neorrealismo em face dos valores da era fascista. Ou seja, seu cinema propõe, sob este aspecto, a desconstrução dos métodos tradicionais, torna-se impessoal diante dos conflitos do seu tempo, encara os valores da ​tríade Deus, Pátria e Família, e aponta caminhos subversivos nos campos social, político e sexual, erguendo-se como discurso simbólico contra as práticas autoritárias, a censura e o nacionalismo desenfreado e cego.

 

Domingos Leitão, Hildemberg Carnaúba, Evandro Menezes, Marcos Fernandes e César Rossas.

Alder Teixeira

Professor titular aposentado da UECE e do IFCE nas disciplinas de História da Arte, Estética do Cinema, Comunicação e Linguagem nas Artes Visuais, Teoria da Literatura e Análise do Texto Dramático. Especialista em Literatura Brasileira, Mestre em Letras e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais. É autor, entre outros, dos livros Do Amor e Outros Poemas, Do Amor e Outras Crônicas, Componentes Dramáticos da Poética de Carlos Drummond de Andrade, A Hora do Lobo: Estratégias Narrativas na Filmografia de Ingmar Bergman e Guia da Prosa de Ficção Brasileira. Escreve crônicas e artigos de crítica cinematográfica

Mais do autor

Alder Teixeira

Professor titular aposentado da UECE e do IFCE nas disciplinas de História da Arte, Estética do Cinema, Comunicação e Linguagem nas Artes Visuais, Teoria da Literatura e Análise do Texto Dramático. Especialista em Literatura Brasileira, Mestre em Letras e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais. É autor, entre outros, dos livros Do Amor e Outros Poemas, Do Amor e Outras Crônicas, Componentes Dramáticos da Poética de Carlos Drummond de Andrade, A Hora do Lobo: Estratégias Narrativas na Filmografia de Ingmar Bergman e Guia da Prosa de Ficção Brasileira. Escreve crônicas e artigos de crítica cinematográfica