XCI
O desejo por fama não é mais que um desejo indireto e perverso das satisfações do corpo as mais primárias e carnais, que em si mesmas nada têm de errado: essas gerações secundárias e derivativas é que tendem sempre a algum tipo mesquinho da desonestidade que se cobre sob várias peles ardilosas. Quando não são uma vingança, algo mesmo muito compreensível para um corpo perecível e mortal submetido a uma mente muito dedicada ou a sofrer por isso quando sofrer não adianta ou a tentar esquecer o que nem sempre pode ser esquecido, é uma ilusão tola: a fama dos célebres ninguém sabe até que ponto pode chegar, depois da morte do apostador, e é só nesse ponto, quando ganhar uma aposta insana que se fez com a história já não compensa ao apostador e perder não terá sido diferente de perder nada, é que se pode saber o resultado da aposta. – Dizia Oscar Wilde, um vaidoso, curiosamente, que o artista deve sumir por trás da obra (talvez ainda de um ponto em que pudesse observar a reação do público).
XCII
É compreensível que o artista pense no público e que até tente adivinhar a reação que terá o público diante da obra inédita – ainda que o seu objetivo seja a agressão e o choque (daí ser um pouco mais compreensível que o artista não pense no público e não se importe com a sua reação). Mas é degradante para o artista, mesmo que receba por sua obra, pensar no público estritamente como público pagante, como para o próprio público, por mais e melhor que pague, pensar em si mesmo estritamente como público pagante. A não ser que o artista deixe claro, antes ou depois, que sim, que foi tudo pelo dinheiro, e que o próprio público não foi comprar mais que a sensação de estar pagando. E como lhe seriam gratos, e não, não como masoquistas que pagassem para ser humilhados.
XCIII
Uma arte da prudência que não diga em nenhum momento que às vezes é necessário também ser imprudente corre o risco de parecer apenas um manual de sobrevivência para miseráveis que perdoasse hipocrisia e bajulação como estratégias válidas. – É também assim, por pouco ou por muito, que se calam os artistas.