HÁ QUEM VIVA o mundo presente seguro da Verdade tradicional que diz seguir, como também existem pessoas que caminham ladeadas pela Busca por encontrar verdades ocultas ainda não descobertas ou impedidas de emergir pelos poderes dominantes. Afinal a condição humana é temporal, atravessada pelo espaço físico e social que ocupa em cada existência, com seus sofrimentos e alegrias. A condição humana é histórica.
Diante das contradições, opressões, sofrimentos e incertezas que o tempo apresenta, há ainda hoje quem busque justifica-los por meio de dogmas religiosos, atribuindo a vontade divina sua razão de ser, como ocorria no passado quando a manifestação de uma hanseníase (lepra), cegueira ou tormento psíquico (possessão demoníaca) era plenamente justificada pelos pecados os quais os portadores desses sofrimentos, ou seus pais, haviam cometido. A partir dessa lógica, fenômenos como a fome, a pobreza ou mesmo a covid-19, para algumas pessoas do tempo presente, esses sofrimentos humanos são expressão da vontade de Deus para aqueles que deles padecem. Da mesma forma a riqueza, o bem-estar social, a glória e o poder seriam resultado dessa mesma vontade.
Mas será que o futuro é determinado?
Essa parece ser uma questão central quando se pensa sobre os caminhos a serem traçados pelos humanos em busca de sua emancipação como espécie. Pensar o futuro implica necessariamente pensar uma ética que busque ter o entendimento do futuro e ao mesmo tempo inclua o futuro na sua ordem do dia, a partir da vivência do momento presente. Afinal, a complexidade conduz a uma nova lógica de racionalidade que ultrapassa a racionalidade clássica do determinismo e do futuro já definido: quem teria pensado no passado que todas as partículas praticamente são instáveis, como nos revela o paradigma quântico?
Uma questão decorrente de pensar o futuro é a seguinte: como descobrimos?
Um cientista não descobre algo no mesmo sentido que um artista. Um cientista descobre algo que já existe, como Colombo descobriu o novo continente. Uma das grandes façanhas científicas foi a de Galileu Galilei ao descobrir a gramática matemática pela qual o Universo é escrito. A partir dessa verdade, a novidade é a possibilidade de tornar matemáticos os problemas qualitativos, por meio de uma teoria matemática precisa dos fenômenos complexos. Mas para um artista como Michelangelo, ao ver uma pedra, ele descobre os escravos; ou o pintor brasileiro Portinari, ao ver as cores e as telas, descobre retirantes, crianças mortas, escravizados trabalhando nos cafezais paulistas, cangaceiros.
Ao vermos as ruas vazias de Washington (EUA) repentinamente serem preenchidas, ao longo de oito dias de manifestação, por uma multidão de homens e mulheres negras gritando “I can’t breathe!” nos leva a descobrir o que? E nessa mesma cena ver o presidente dos Estados Unidos – Donald Trump – com uma bíblia na mão, pousando para uma foto diante de uma Igreja cristã católica, ao lado de uma imensa imagem de João Paulo II, acusando essas mulheres e homens negros, que não conseguem respirar, de “inimigos internos” (conceito basilar de toda ditadura, como foi na de 1964 no Brasil), que conhecimentos podemos obter dessa postura pública e semiótica do dirigente estadunidense? E a ausência de uma manifestação do mesmo quilate nas ruas do Brasil pelo assassinato de um adolescente de 14 anos, que estava brincando na casa do seu primo, por um tiro de fuzil de um policial que disparou 72 rajadas, revela o que? Será que brasileiros e brasileiras não poderiam invadir as ruas do Brasil gritando: “Eu não consigo brincar!”? Por que não o fizeram e nem o fazem?
Uma das grandes descobertas da humanidade no campo da Ética e da Política é a da dignidade humana. O Humano, além de sujeito de relações jurídicas e sociais, é uma pessoa com uma dignidade própria independentemente de estar ou não em relação, isto é, de ser ou não sujeito. O Humano é pessoa porque existe e existindo, é. O Direito, portanto, cuida primeiro e antes de tudo da pessoa – não do indivíduo ou do cidadão e muito menos do consumidor como um sujeito integrado no Mercado. Em primeiro lugar está a pessoa enquanto tal. Esta é a máxima jurídico-política que ergue a Sociedade do Direito. Sendo assim, a Justiça e a Política (Ética) são uma criação dos humanos para o bem dos humanos, no imenso espectro de implicações que a afirmação comporta. A dignidade da pessoa reporta-se a todas e cada uma das pessoas, é individual e concreta. Consequentemente, a existência da pessoa exige condições adequadas da vida material na qual a dignidade humana prevalece sobre a propriedade privada.
Uma das visões de futuro, que no meu entender é referencial destas descobertas aqui tratadas, está no diálogo entre Maria de Nazaré com sua prima idosa Isabel, relatada pelo evangelista Lucas. Conta o narrador que ao encontrar-se com Maria grávida de Jesus, o filho de Isabel estremece de alegria em seu ventre. A partir deste evento Maria entoa um canto revelando sua visão de futuro, seu anúncio sobre o bem por ela imaginado a ser realizado por YHWH: “ENCHEU DE BENS OS FAMINTOS, E DESPEDIU OS RICOS COM AS MÃOS VAZIAS”. Esse canto é considerado a Carta Magna da doutrina social católica. Será que Trump sabe disso? Talvez os católicos estadunidenses possam ajuda-lo a descobrir.