EIS A {VELHA} QUESTÃO

A semana que termina marca também o final da mais abjeta campanha política de que se tem notícia. Em São Paulo, mais importante cidade do país, durante debate em que se devia apresentar propostas de governo, discutir problemas da população e apontar alternativas de ação para o novo quadriênio, o que se viu foi um festival de baixarias que culminaram com cadeiradas e rostos ensanguentados.
Em Alagoas, mais precisamente no município de Taguarana, um juiz eleitoral teve de suspender a campanha sob a alegação de que a “agressividade exagerada” tomava rumos trágicos, num cenário em que “o uso de armas de fogo” ocupava o lugar dos cartazes e santinhos das campanhas tradicionais.
O baixo nível das campanhas espalhou-se pelo país inteiro, confundindo os eleitores e mostrando a face deformada do que, em sua verdadeira razão de ser, é a política, a arte ou ciência de governar, de liderar, de apontar caminhos.
Nunca, em tempo algum, se pôde assistir à vulgarização, à leviandade, à deselegância, à desfaçatez em níveis tão elevados, numa inversão de valores que reflete a realidade hodierna de um país submetido à sanha e à insensatez, ambiente propício para o surgimento de aventureiros e salvadores da pátria movidos a ódio e a hipocrisia.
Em Fortaleza, cidade tradicionalmente progressista, corre-se o risco de ter-se um segundo turno com candidatos de extrema direita, afeitos à disseminação de ideias medievais, pautadas num fascismo redivivo que submete uma parte significativa do país ao que existe de mais retrógrado e mais perverso do ponto de vista humano.
Não isentos de responsabilidade em face do que se vê, partidos de esquerda ignoram suas cartilhas e seu ideário com olhos nas vantagens, muitas vezes inconfessáveis, advindas do poder.
Maior e mais importante desses partidos, o PT vira as costas para o povo e entra desavergonhadamente no jogo de conchavos e práticas até ontem condenadas. Pretere quadros históricos em favor de nomes sob qualquer aspecto identificados com seu projeto de governo, antevendo negócios e negociatas, conluios e falcatruas, num descaso assumido para com a história do partido e do seu mais ilustre representante, o atual presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.
Em Iguatu, para mirar um exemplo, tenta-se a custo vender-se gato por lebre, e o antigo veste-se de novo para tentar voltar ao poder sob o manto vermelho em que cuspia até bem pouco tempo, conspurcando a estrela branca que acalentou sonhos, utopias e ideais.
Em um dos sete solilóquios de Hamlet, na peça de mesmo nome, o leitor depara-se com uma das mais profundas reflexões em torno de como agir ou reagir diante do infortúnio: “To be, or not to be, that is the question”.
Às vésperas do mais sublime exercício democrático, aquele em que escolhe seus legítimos representantes, como um Hamlet destes tempos sombrios, o eleitor brasileiro se perde em meio ao mar de lama que se descortina à sua frente: “O que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso, ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes?”.
Ser ou não ser, eis a [velha] questão.

Alder Teixeira

Professor titular aposentado da UECE e do IFCE nas disciplinas de História da Arte, Estética do Cinema, Comunicação e Linguagem nas Artes Visuais, Teoria da Literatura e Análise do Texto Dramático. Especialista em Literatura Brasileira, Mestre em Letras e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais. É autor, entre outros, dos livros Do Amor e Outros Poemas, Do Amor e Outras Crônicas, Componentes Dramáticos da Poética de Carlos Drummond de Andrade, A Hora do Lobo: Estratégias Narrativas na Filmografia de Ingmar Bergman e Guia da Prosa de Ficção Brasileira. Escreve crônicas e artigos de crítica cinematográfica