Do amor oculto e seus ocultos objetos
Meu coração é uma mulher trans,
Expulsa à faca da casa do peito,
Tatuada e marcada a ferro,
Jurada de morte por dívidas secretas de amor.
Meu próprio coração,
Que diante do espelho se maquia e traveste,
É um segredo alheio e passional,
Um orgulho solitário e trágico de liberdade à margem,
Um apelido e um nome na rua e na boca da polícia,
Um rosto estranho na identidade,
Uma voz estranha nos recados gravados
Mesmo quando falam de amor.
Meu coração já sem fôlego,
Velho como o coração de uma velha senhora, o vestido de cigana,
Sob o papiro ainda misterioso do peito enrugado e as bijuterias de plástico,
Que faz tombar o corpo ante as delícias do corpo,
Que desmaia os músculos numa promessa impossível de gozo,
O gozo que se sonhou na boca de um anjo.
Meu coração sob tantas mordidas
Que já se cansou de se dar como alimento
É também uma espera não sabe por quê.
Meu coração.
Ajeito os brincos nas orelhas e corrijo o batom
Que desenha sobre a boca uma nova boca,
Num gesto maquinal que esquece e oculta
O espelho e a ingratidão, o espelho e o opaco,
O espelho e o oco e o desconhecido,
O abandono do amante que nega três vezes
E ainda três vezes mil vezes
O nome de guerra que era o mel da sua boca.
Meu coração é uma mulher trans
Que tivessem assassinado e abandonado na sarjeta
Só pra não revelar o que sabia.
Meu coração, não sei por quê.