Descartes Gadelha, o coisador que descortina o mundo inteiro, de um alguém para outro alguém

Sentado num banquinho por trás do portão de entrada, que já estava aberto à  minha espera, ele levantou-se logo  que me aproximei. A barba quase toda branquinha e os cabelos grisalhos fazem contraste com o olhar malino e travesso de um menino que é pura curiosidade das COISAS. No primeiro dia de entrevista, ele vestia uma camisa xadrez azul, bermuda marfim, um modelo de sandália em cada pé e um relógio, que, segundo o artista, encontrou na rua e usa até hoje:”funciona, eu trabalho marcando o tempo das músicas com ele” .  Eu faço coisa chamada música, eu faço coisa chamada texto, faço coisas chamadas batuque, eu faço tudo o que você quiser, e a primeira coisa que fiz foi enfeitar o céu com arraias coloridas na minha infância.

Além das arraias coloridas, que o acompanham desde sempre, e sua paixão pelas jangadas, Descartes Gadelha nascido em Fortaleza, no dia 18 de junho de 1943, desenhista, pintor, músico, escultor, artista plástico, COISADOR, faz uma prospecção na história de Canudos e paralelamente  na história da prostituição na Fortaleza de muitas épocas.  Ele  sabe como poucos a diferença que existe entre as relações sexuais dentro desta e as relações  convencionais: “cada década  é sempre mais impura do que a  anterior, nem mesmo o romantismo dos cabarés existe mais, tudo é depravação, mas a hipocrisia é a mesma”. Descartes Gadelha enriqueceu seu trabalho em várias fases da vida, na infância, adolescência e vida adulta, a partir de um  presente que ganhou de seu pai – o livro Os Sertões, de Euclides da Cunha – “eu sabia de cor  o livro e imaginei cada personagem, desenhei por muito tempo, até 1997, passei mais de trinta anos passeando por essa obra, com pincéis e outros instrumentos. Depois de uma exposição, a obra de Gadelha foi acolhida  no Museu de Artes (Mauc) da Universidade Federal do Ceará (UFC). As memórias  de toda uma vida e  a criatividade estão presentes na  versatilidade e  na eloquência de seu  trabalho.

  1. Eu gostaria de ter vivido na época que ainda vai vir, em  2.200, onde estaremos treinando a volitação (no espiritismo,  volitação é a capacidade que tem um espírito, sob certas condições e de acordo com o seu grau evolutivo, de poder transportar-se, elevar-se do solo e deslocar-se numa espécie de voo, do que se depreende a volitação),  não vamos mais comer carne, definitivamente a carne será coisa de livro de História.

  2. A palavra que eu mais gosto é SIM, a que menos gosto é não.


  3. Um filme para ver de novo – qualquer filme do Gordo e o Magro considero genial.


  4. Politicamente, eu não posso ser apolítico, mas eu discordo desse modelo de política, onde eu vou me candidatar porque eu sou um capitão e por isso vou levar segurança (não estou me referindo ao capitão Wagner), ou porque eu sou um jogador e por isso vou trazer esporte para os jovens, e assim por diante. A política não é motivo de oportunismo. Esse jogo de palavras pode até convencer e convence pessoas não habilitadas a esse tipo de compreensão e vão na onda com essas músicas, essa propaganda, esse tipo de “política” eu não tolero. Eu sou a favor da política em si, como forma de organização, atuação e pensamento, mas não como um jogo comercial. Não é do velho que eu tenho raiva, é da velhice que eu não gosto, e esse negócio de votar é uma coisa caduca e rabugenta. Ora, não  temos condições morais  e éticas, nem estamos no tempo de eleger nada para nos dirigir – a nossa pouca inteligência é o suficiente para não precisarmos de representantes.


  5. Eu ressuscitaria o professor Antonio Martins Filho, criador da Universidade Federal do Ceará (UFC), um homem extraordinário pela humildade de querer e fazer as coisas evoluírem, ele queria ser ele, com as coisas  crescendo  ao seu redor, e ele continuava na sua simplicidade,  não era um político.

  6. O livro que já li várias vezes foi Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, e eu sou um pouco o Dom  Quixote que queria abraçar o mundo apenas pelo fato de abraçá-lo, para mim é uma das obras mais instigantes sobre a  colocação do ser humano na sociedade.                                                                                                                                              20160913_162325

  7. Eu me acalmo quando eu termino uma obra e assino, como o fechamento de uma guerra, e não como a colocação do meu nome na obra,  é quando eu digo pronto, gozei- é uma sensação de dever cumprido.

  8. Eu me irrito com o orgulho e  com a empáfia  desnecessária, seja de quem for. A arrogância encerra tudo isso.
  9. A emoção que me domina é a humildade possível em alguém. Uma humildade autêntica, que de tão autêntica o humilde não sinta que é humilde.


  10. Um dia ainda vou aprender a me conhecer e lutar contra minha própria arrogância.


  11. Existem heróis? Qual o seu? Na minha infância eu gostava de Cowboy, eles eram meus  heróis, depois eu entendi que tive um único  herói, um grande herói, que foi Diderot Serra Gadelha, meu pai – ele casou com minha mãe para salvá-la de uma situação difícil em que ela se encontrava, um grande gesto de amor. Ele salvou minha mãe, minha avó dona Hilda e os filhos dela.

  12. Religião é uma instituição, mas usamos esse nome  para dizer que estamos ligados com Deus, e  quer queira, quer não, estamos ligados com Deus, não adianta fugir. Ele é o senhor do infinito,  Olorum. Sou espírita e o  Maracatu  é também minha “religião”. Mesmo eu não tendo uma religião, eu uso a filosofia, a compreensão e as práticas do Candomblé,  que é ao mesmo tempo uma ciência e  uma  mitologia – as culturas mais antigas aprendiam através das comparações,  por isso  dizemos que é uma ciência mitológica.  Através do candomblé eu me religo com Deus. O  fenômeno  da caridade, do perdão, da acolhida e da aceitação  são coisas  concernentes  à grandeza de Deus.


  13. Dinheiro é uma farsa, inventado para enganar, é uma ficção, e agora, online,  invisível  mais do que nunca. As pessoas estão ficando cada vez mais loucas por causa de dinheiro, quando todos os bancos explodirem, iremos  ter somente o que precisamos,  acabar com tanta coisa supérflua,  sem destruir o meio ambiente e sem acabar com nossas vidas.

  14. A vida é simplesmente  uma escola.


  15. Se eu tivesse o poder, eu mudaria a alma do ser humano. Mas nem Deus quer esse poder, portanto eu mudaria o comportamento humano,  interferiria na psicologia humana para o homem ser bom. Seria uma covardia porque a pessoa só pode ser boa se ela tiver a autoconsciência  daquilo. Uma besteira da psicologia é achar que se pode mudar o comportamento das pessoas, eles podem interferir nas reações, mas veja que grande besteira, por exemplo, “10 lições para ser feliz”.  Ora, o que serve para mim pode não servir pra você.


  16. Eu gostaria de ser o Descartes que serei  quando atingir a humildade plena. O ser humano ainda não está preparado para ser humilde. Eu sou apaixonado pelo homem  Francisco de Assis, por toda a sua história e pelo sentido que ele encontrou na vida – é o inverso da política, esta nunca será  humilde.

  17. Não perco uma oportunidade de TENTAR AJUDAR AO PRÓXIMO.

  18. A solidão e o silêncio  –  A CATEDRAL DA ALMA

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  19. O Brasil, segundo Dom Bosco (religioso italiano) psicografou há mais de duzentos anos, é a pátria dos evangelhos, mas não no sentido de igreja evangélica.


  20. O ser humano ainda vai evoluir.


  21. Eu sou um coisador, eu faço coisas e quero abraçar o mundo apenas pelo fato de abraçar. Eu aprendi sobre o amor e ele é algo sublime. Eu quero aprender a ser humilde assim como você é, que de tanto, nem percebe o quanto é. E se  eu tenho o poder de passar uma mensagem para alguém, então eu faço um pedido: que as pessoas passem a se compreender para compreender o próximo, isso é a base da aceitação e do perdão.       20160915_100335

Eu gostaria de compartilhar um pouquinho do que foram as mais de cinco horas  de conversa  com o artista plástico Descartes Gadelha, menino que  teve uma  infância rica, alegre e cheia de histórias que precisam ser preservadas e sempre recontadas. Histórias  sobre a cidade de Fortaleza, o Ceará, o Nordeste. O cotidiano das  ruas Tristão Gonçalves com Castro e Silva, dos cabarés do centro da capital cearense à histórica de Canudos, na  Bahia do século XIX, todas estão vivas em toda sua obra. Descartes  Gadelha, com a inquietude de um menino “descortina o mundo inteiro do mistério, da dor, da paixão, da decadência e do amor. Na modéstia-brejeirice do tema proposto, investigado e dissecado, Descartes teoriza, na tela, a Arte, o Discurso, e o Dilema da sexualidade humana. Ou, noutras palavras, as artes da feminilidade, os discursos da libido, os dilemas da identidade social”.

O  tema de uma exposição de Gadelha, “DE UM ALGUÉM PARA OUTRO ALGUÉM”, ele escutou  na década de 60, na Amplificadora Brasil, popularmente chamada de irradiadora, localizada no Arraial Moura Brasil, e que prestava importante serviço para  a comunidade. Conforme  já foi observado por outros,  a  obra de Descartes “é tão humana que deixa o observador inquieto, pensativo e alarmado”.

Como bem definiu o professor Pedro Eymar, a obra de Descartes Gadelha “é um profundo retrato da natureza humana em sua íntima e extrema relação de existir, resistir, interrogar, fazer, realizar-se”.  Podemos nos sentir privilegiados em sermos contemporâneos de um homem  cortês, amável e generoso, um artista de  inteligência e capacidade analítica, de interpretação e revelação da  face oculta da cidade de muitas décadas.

Heliana Querino

Heliana Querino Jornalista

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Heliana Querino Jornalista