DE SILENCIOSOS REBELDES E BARULHENTOS CONFORMISTAS

Para Reginaldo da Silva Domingos

Um dia desligarei a televisão e o rádio;
Já agora não quero ouvir o que dizem
Os homens brancos de Brasília. Desligarei
O telefone e os computadores, até os menores,
Talvez apague as luzes e sonhe de novo
Que, enfim, aprendo a tocar saxofone.
Quero esquecer um pouco o que já disseram
Os homens brancos de Brasília;
Quero esquecer que desde menino em Alagoas
Jorge de Lima já era mais poeta do que jamais serei,
E se apiedava das dores dos abandonados
E da solidão da lua. Do que me lembrarei
Antes que seja tarde? Que releitura me devolverá
Um momento incrível de solidão que eu julgava perdido?
Será que só poderei lembrar as coisas velhas e não
As coisas por fazer? É belo e corajoso declarar
Que não se tem vontade nem vocação
Para poeta de um mundo caduco, mas haverá outro mundo?
Um pobre mundo caduco, esquecido de si mesmo,
Confuso, indiferente aos próprios poetas e aos alheios,
Perdido dos próprios filhos que já deixou
Que se criassem sozinhos. Mas um mundo terrível
Serve mesmo apenas para ser negado?
Quanto já não somos nós mesmos caducos?
Se não caducos, vencidos na validade.
Os homens brancos de Brasília nem falam sobre isso.
De Brasília só me interessa a imagem e a voz de um velho pajé
Que ainda cansa a vista e as costas com os olhos sobre palavras.
Quando pode calça as suas chinelas, aprende alemão
E medita sobre a antiga poesia chinesa. Nada
Que interesse aos homens brancos de Brasília,
Que nunca saberão que a sombra tem cores,
Que as palavras também a eles enganam,
Que não são mais que paletós e verbas e cargos,
Que um dia serão tão completamente esquecidos
Quanto os seus erros, quando isso já não lhes adiantar.
Os homens brancos de Brasília que nunca sonham
Que são borboletas, apenas que são
Homens brancos de Brasília, se não têm o pesadelo
De que são derrotados nas urnas ou enfim presos:
Não têm imaginação para perceber,
Como até os poetas, forçados pela dura realidade,
Que são substituíveis,
Como ternos velhos, gravatas fora de moda,
Carros de anos anteriores,
Funcionários temporários. Lessem
A chinesa poesia que ignoram
E saberiam que cada instante é tão importante
E tão destituído de importância
Como uma cana vergada que volta ao prumo,
Como a rã que salta sobre a água ou
O último instante em que a água era perfeitamente tranquila
Antes da queda de um batráquio atrevido,
Como a florada das cerejeiras,
Como qualquer outra coisa que ninguém mais percebe,
Como os poemas que se escrevem sobre coisas assim.
Cansativos homens brancos de Brasília,
Que tanto berram e mal sabem respirar, quando o ar
É tão seco e a respiração a maior sabedoria.
Cansativos homens brancos, cansativos.
Também eles um dia, mesmo que não aprendam,
Terão que ouvir o silêncio,
E passarão a falar sozinhos como velhos,
Velhos homens brancos de Brasília,
Cansativos velhos brancos falastrões de Brasília,
Que Jorge de Lima teria reduzido a dois versos
Ou simplesmente ignorado.

Airton Uchoa

Escritor, leitor e sobrevivente.