Governaram o Ceará, como de resto as províncias e os estados brasileiros, durante o Império e no decorrer das múltiplas repúblicas que inventamos, presidentes, interventores e governadores.
Durante o Império e em alguns momentos desta nossa acidentada vida republicana, esses homens de governo eram escolhidos e nomeados pelo Imperador ou incluídos em listas para simbolizar apropriada imersão eleitoral. Era o tempo das eleições a “bico-de-pena”, sob o comando das oligarquias de bem com o poder central.
Coronéis do exército e distintas figuras da Corte eram feitos presidentes provinciais e trazidos a visitar, com o ato de nomeação à mão, o lugar por onde ficariam enquanto durasse a vontade do Imperador e dos chefes e chefetes das oligarquias locais.
Ungidos pelas boas graças do monarca, muitos destes respeitáveis cidadãos e cabos-de-guerra, foram depostos a mando dos oligarcas, sob a indiferença combinada nas Cortes do Rio de Janeiro.
O ano de 1930 foi politicamente um ponto fora da curva. A pretexto de impor o império da lei (certamente em defesa da democracia que dava os seus primeiros vagidos no mundo Ocidental), os gaúchos decretaram a eleição de Júlio Prestes incompatível com as nossas aspirações, reconhecidamente democráticas. Vai daí, pegaram um trem pelas extensas coxilhas do Rio Grande e amarraram os seus cavalos ostensivamente no obelisco da avenida Rio Branco, ali onde surgiria a Cinelândia.
O Ceará passaria por algumas amargas provações, breves, por sorte, à margem do poder compartilhado pelos revolucionários, até ser ungido como Interventor o nome de um professor e diretor de um colégio, o São Luiz, cidadão dado aos doutos conhecimentos do direito romano.
Em torno desse nome consensual uniram-se nobreza, clero e povo e a Polícia Especial em uma dileta submissão que duraria por 15 anos.
Cearense gosta do poder e da gente que por lá se aboleta em nome dos prejulgados democráticos. Por aqui só se rompe com o poder instalado quando ele está a cair, pelos indícios evidentes que os oligarcas elegem, entre si, como revelação fatal.
A vida política do Ceará traduz-se na sucessão de oligarquias rurais em estreita conexão com os canais do poder urbano. Elas seguem um ciclo invevitavel. Nascem, vivem, crescem e morrem no abraço final das dissidências e do surgimento de novas lealdades frescas e de novos oligarcas.
Assemelham-se, numa visão política atenta, a uma dinastia, grupo de poder compartilhado por uma mesma família ou por afinidades eletivas, encontradas entre amigos de confiança e sócios de um mesmo empreendimento bem sucedido.
Pois bem, Menezes Pimentel, respeitosamente tratado por “dr. Pimentel” comandou, com apoio irrestrito dos mais distinguidos antístites da Igreja, os destinos do Ceará, sem daqui arredar o pé, nomeando e mandando prender, relaxando as penas e exilando, longe dos seus olhos, os mais impertinentes detratores da sua política. Modelou a sua própria “imprensa”, ampliou a burocracia e de tudo ocupou-se com exemplar dedicação.
Da sua lavra não se conhece sequer uma obra relevante sobre Roma e os seus Imperadores, tampouco dos Códigos. Do imperador Trajano nunca chegou a ocupar-se, como deveria tê-lo feito, como cultivador do Direito. Porém deixou o seu nome associado a uma biblioteca pública e, originariamente, ao arquivo público do estado.
Atendendo à convocação de uma breve digressão, volto ao tratamento reverencial dispensado, no Brasil, aos mais destacados líderes partidários. Na vigência das oligarquias nordestinas, essa ilustre figura de chefe e condutor da coisa pública era respeitosamente designada como “coronel”. A patente decorria do posto da Guarda Nacional ocupado no Império por alguém da família. Filho de coronel, coronel se tornava. Já em relação aos atores poderosos, dentro e fora da burocracia dos partidos, a homenagem traduzia-se pelo uso da título de “dr.”. Dava-se com esta nomeação o reconhecimento das habilidades políticas, não necessariamente como registro de vasta cultura ou reconhecimento acadêmico. Era a marca firme do poder. Dr. Pimentel, dr. Ulisses, dr. Getúlio…
Estes velhos hábitos consagrados já não encontram quem os respeite. O oligarca exibe, atualmente, matrícula urbana, embora tenha umas terrinhas de herança para chamar de suas. E votos cativos e leais. Tudo com moderação, bem se vê. As aparências comandam todos os gestos e omissões na política.
Sociologicamente consideradas, as oligarquias são feitas por laços profundos de adesão e afeição — e recíprocas lealdades. Assim diria Max Weber, fosse vivo e passasse pelo Ceará em desobriga ostensiva e voluntária pelos arraiais eleitorais.
Ser presidente provincial, governador ou interventor, como foi o caso do dr. Pimentel, não indicava necessariamente poder de raiz. Em alguns casos, entretanto, era como se assim o fosse.
O dr. Pimentel, feito Interventor no Estado Novo, jamais tornaria às lides jurídicas de respeitável autoridade no plano do direito romano. Mas, conservaria a grandiosa soma de poderes enquanto vivesse. Foi senador anos a fio, assinava a lista de frequência do Senado em seu domicílio no Rio de Janeiro. Ia, vez por outra, ao imponente prédio da Praça Paris, a matar saudades.
De uma coisa não se pode dizer em contrário. O dr. Pimentel foi um homem probo, espécie rara hoje em dia, nas artes da política, trazia a marca de “mestre-escola” das suas origens. Foi fundador no Ceará de um símbolo da vida política brasileira — o PSD. Alma e esteio do Centrão que nos governa e impõe resistências firmes aos novos tempos prometidos pelo bolchevismo baiano que se espalha pelo Brasil…
Gilson Moreira
Texto do reitor Paulo Elpídio é sempre uma aula com fortes embasamentos.
Vale a pena ler , e aprender a história e os fatos descritos da história do Ceará.