“(…) convém lembrar que ela – a literatura – não é uma experiência inofensiva, mas uma aventura que pode causar problemas psíquicos e morais, como acontece com a própria vida, da qual é imagem e transfiguração. Isto significa que ela tem papel formador de personalidade, mas não segundo as convenções; seria antes segundo a força indiscriminada e poderosa da própria realidade. Por isso, nas mãos do leitor o livro pode ser fator de perturbação e mesmo de risco.” (Antônio Cândido – ‘O direito à Literatura’ – In: “Vários Escritos” [Editora Ouro Sobre Azul; 1° edição | 2004]).
A quem lê, tudo bem, mas é um risco sobretudo para quem escreve. Veja as cartas de Baudelaire à sua mãezinha; veja o infortúnio de Rimbaud ou o ataque nervoso de Poe. Veja Nietzsche, onze anos demente aos cuidados de mãe e irmã! E Marx, aquele barbudo que escreveu o Manifesto Comunista e O Capital, cheio de furúnculos na bunda de tanto escrever.
É um pôr-se à prova com seu tempo a escrita, e, sobretudo, como em Quixote, leva à ação, nem sempre com um desfecho cômico. Ainda assim, uma travessia.
— “He thinks too much; such men are dangerous”, pode-se ler no Júlio César do Shakspeare. Tradução: “Esse cabra anda pensando demais, isso pode ser perigoso”.
Então vem à mente outros irmãos de jornada.
Sócrates, por exemplo. Foi inventar de dizer aos seus inquisitores que mereceria uma espécie de aposentadoria para a sua velhice, que mereceria ser sustentado por Atenas. E vejam o que lhe deram: um gole de cicuta!
Giordano Bruno, o bruxo, o mago, o cara das mnemotécnicas, ostracizado tanto pela Igreja quanto pelos reformistas, foi inventar dizer ao mundo que o mundo era infinito, e veja só: atearam-lhe fogo!
Hipatia, no mundo antigo, minha nossa! Foi pedra mesmo, sem distinção de religião: judeu, pagão, cristão, uniram-se todos na religião de seu sacrifício.
Pedro Abelardo… Deus que me livre! Amou tanto Heloísa que quebrou seu celibato de professor universitário e o tio cônego de sua amada deu de lhe arrancar os colhões. Assim, acreditava o tio, não precisaria mais ceder a tentações…
Benjamin morreu tomando uma alta dose de morfina aos quarenta e oito anos de idade nos Pirineus, fugindo dos nazi – aquele brilhante judeu (juro que se fosse Asja Lacis eu me casava com ele!) com nome de tribo. E veja só o que se pode ler em carta ao amigo professor universitário, Adorno:
“O que será de mim? (…) Enquanto isso a situação está ficando cada vez pior. Até hoje bastou para o que havia de mais básico – agora não basta mais. As últimas duas semanas – depois que paguei pelo quarto – foram uma série de decepções. (…) Mas basta disso. Sem você só poderia enfrentar as próximas semanas com desespero ou apatia. Não sou mais um diletante em nenhum desses ânimos. Na minha situação mal tenho força para tratar dessas questões. Há dias que estou aqui deitado – simplesmente para não precisar de nada nem para ver ninguém – e trabalho tão bem quanto posso. Considere o que puder para ajudar. Preciso de mil francos para cobrir as despesas mais essenciais e chegar até março.” (BENJAMIN, [Correspondência], p. 76).
É… A vida é mesmo uma aventura e tanto: entre a tragédia e a remissão.