Coronavírus e os desafios da ação política

O Professor de Filosofia da UECE, amigo Henrique Azevedo, postou no seu perfil de Facebook, no dia 19 de abril de 2020, o seguinte comentário: O negócio mais paradoxal possível é a direita praticando a subversão e a esquerda majoritariamente preocupada com as instituições. Quando nos tornamos tão irrelevantes a ponto de a direita (por um modo fascista e abjeto, há de se ressaltar) ser a instância a colocar a crítica na prática?”. Registrei que a provocação merecia continuidade, e prometi que colocaria mais tinta na mesma. É o que faço, agora.


Bolsonaro
, estrategicamente, age de forma leninista: chegou ao poder e, por dentro, implode-o alimentando diretamente uma comunicação com seu grupo de interesses e fazendo a luta de classes, inclusive praticando a subversão da ordem. Bolsonaro rompe com a ordem para impor a sua vontade. Já o que chamamos de pensamento de esquerda ou de oposição, até agora, com pouco poder de mobilização nas ruas, continua defendendo o Estado de Direito capitalista, reivindicando a democracia como respeito às regras do jogo, no sentido conceituado por Norberto Bobbio, que tanto foi criticada. Estamos, para me incluir e não ficar como analista neutro, esperando ou torcendo para que o Congresso eleito, no mormaço do simulacro que produziu o fenômeno do Bolsonaro como mito, comporte-se como instrumento garantidor da ordem, colocado o presidente no que deveria ser o seu lugar: governar para todos, como se não houvesse luta de classes, como fez os governos petistas, e que cumpra a Constituição.

 

Nesse momento, de pandemia da covid-19, parece que preferimos seguir assistindo ao aceleramento da nossa morte, por meio das medidas neoliberais perversas implantadas por Paulo Guedes para o gozo do deus mercado do que sermos expostos à morte mais rápida e direta por coronavírus com o fim do isolamento social,como Bolsonaro vem tentando impor por meio da desobediência civil, da promoção da desordem  e do uso abusivo do cargo. Ficaríamos felizes se o Supremo Tribunal Federal (STF) colocasse limite constitucional nos atos de Bolsonaro ou iniciasse o seu processo de impedimento, o mesmo STF que participou do golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff, livrou a cara do golpista Michel Temer e que vem apoiando todos os interesses do mercado.

 

Para muitos analistas políticos, e na minha percepção, estamos vivendo um momento de crise grave que abre espaço para o um agir revolucionário radical. Mas, se era um desejo, diante da possibilidade, parece que ficamos paralisados ou com medo de fazer a revolução. Parece que não acreditamos que “tudo que é solido desmancha no ar” diante de ações transformadoras.  O sentimento é o de que estamos renunciando a uma ação revolucionária e nos agarrando à defesa de um valor abstrato denominado de democracia. Estamos agarrando a defesa, muitas vezes mais discursiva do que por meio de ações práticas, das instituições sistêmicas que funcionam para garantir a produção e reprodução do capital. Estamos defendendo a democracia no Brasil, conquistada depois da DitaduraMilitar, a mesma que vinha garantindo a concentração de renda, a desigualdade social, a exclusão dos indígenas, dos não heterossexuais, dos negros, a violência contra as mulheres, a superpopulação carcerária, os ajustes neoliberais, a destruição da natureza. Estamos defendendo a institucionalidade que ajudou o país a chegar em que chegou.


Estamos diante de uma crise, ou diante da confluência de várias crises, que abre as portas pa
ra umagir revolucionário. Mas, estamos paralisados e com medo de fazer desse momento um momento revolucionário. Estamos com medo do fascismo, sentimo-nos impotentes diante do governo Bolsonaro, é verdade. Todavia, não será que estamos com medo, ainda maior, de uma revolução anticapitalista que nos tire da comodidade, colocando-nosna condição direta de sujeito da derrubada do podre poder,sem saber que lugar nos será reservado?

 

Não será nossa consciência de classe, uma consciência pop, que quer a comodidade de uma vida boa, como comer e beber bem, viajar, consumir bens culturais, circular nos meios intelectuais, criticar o sistema e tomar partido pelos pobres? Temos consciência de classe para criticar os amigos de classe que preferem ser fascistas ou viver “com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”? Os que querem viver bem e não se importam por ser medíocres intelectualmente, ou por odiar os pobres porque têm medo de um dia ser um deles? Temos consciência de classe para fazer uma verdadeira revolução? Temos consciência (mas só consciência não basta) mesmo diante de uma conjuntura que abre as portas para a construção do novo?

 

Bem, estou pensando em revolução no sentido amplo e não somente por meio de uma ação armada. Nesse país, os pobres não têm mais nada a perder, como diz Marx no Manifesto do Partido Comunista”. Só têm a perder a possibilidade de irem para a cadeia. Dentre estes, acrescento os moradores de rua. Porém, parte da classe média tem, ainda, muita coisa a perder, e tem medo de perder. Todavia, os que não têm nada a perder, para desapontamento de Karl Marx, não sinalizam que queremfazer a revolução. Então, de onde pode vir uma revolução anticapitalista no século XXI?  Bem, a provocação do professor Henrique Azevedo continua aberta. Quem quer colocar mais tinta na reflexão?

Uribam Xavier

URIBAM XAVIER. Sou filho de pai negro e mãe descendente de indígenas da etnia Tremembé, que habitam o litoral cearense. Sou um corpo-político negro-indígena urbanizado. Gosto de café com tapioca, cuscuz, manga, peixe, frutos do mar, verduras, música, de dormir e se balançar em rede. Frequento os bares do entorno da Igreja de Santa Luzia e do Bairro Benfica, gosto de andar a pé pelo Bairro de Fátima (Fortaleza). Escrevo para puxar conversa e fazer arenga política.

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Uribam Xavier

URIBAM XAVIER. Sou filho de pai negro e mãe descendente de indígenas da etnia Tremembé, que habitam o litoral cearense. Sou um corpo-político negro-indígena urbanizado. Gosto de café com tapioca, cuscuz, manga, peixe, frutos do mar, verduras, música, de dormir e se balançar em rede. Frequento os bares do entorno da Igreja de Santa Luzia e do Bairro Benfica, gosto de andar a pé pelo Bairro de Fátima (Fortaleza). Escrevo para puxar conversa e fazer arenga política.