Coisas estranhas

A operação Lava Jato mantém preso, com excesso de prazo, parte do núcleo empresarial do Petrolão. O grupo formado pelo núcleo profissional também tem numerosos integrantes presos e já tem condenações, embora mitigadas por acordos de colaboração. O núcleo político só tem um preso: o senhor João Vaccari, ex-tesoureiro  do PT.

Pode-se redarguir que os integrantes do núcleo político têm foro especial por prerrogativa de função, fato que pode retardar investigações, obrigando-as a esperar autorização do STF. Mas o Procurador Geral da República deu graças a Deus porque o ex-presidente Lula e a presidente Dilma não estavam entre os suspeitos.

A torcida do PGR por pessoas definidas é um fato estranho, tratando-se de um fiscal da lei.

O núcleo político, estramente, está limitado a parlamentares e ex-parlamentares. Mas quem administra os negócios em torno dos quais se deram as irregularidades é o Poder Executivo, que permanece intocado pela Lava Jato. Executivos alcançados foram apenas os do núcleo técnico-administrativo, estranho ao meio político partidário e desprovido de poder político.

O núcleo político começa a ser alcançado. Mas é o Parlamento que é atingido. Este fato fragiliza o Congresso, pois os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal agora estão no foco do escândalo, juntamente com algumas dezenas de parlamentares. Nenhum nome do Poder Executivo foi apontado em nenhuma das quase duas dezenas de acordos de colaboração mediante recompensa, avençados entre o Ministério Público Federal (MPF) e alguns réus, não obstante seja no âmbito do Executivo que se desenrolam as tratativas dos acordos com os empresários. Paradoxalmente, é o Legislativo que aparece como o vilão da história, embora não execute as obras em torno das quais se deram as “tenebrosas transações”, conforme verso da música popular de outrora.

A fragilização do Congresso fortalece o Poder Executivo no momento em que o Tribunal de Contas União levanta objeções às contas do governo, ensejando sérias preocupações sobre crime de responsabilidade, fato que pode ensejar impeachment. Um Congresso tão fragilizado teria forças para cumprir a lei, no momento em o devido processo legal por ela previsto está sendo confundido com golpismo?

Até ontem os acordos de colaboração mediante recompensa estavam sendo desqualificados como “delação” e desacreditados. Subitamente recuperaram credibilidade e respeitabilidade, quando dirigidos contra o Legislativo. Por mais graves que sejam os erros práticados pelos líderes das duas casas do Legislativas e por muitos de seus integrantes, a independência daquele Poder é essencial ao funcionamento da democracia. O enfraquecimento do Congresso, trazendo de voltar a sua secular submissão aos desígnios do Executivo, pode configurar uma manobra golpista, tão falada quando o alvo é o Executivo.

Versões conflitantes de depoimentos de signatários de acordos de colaboração teriam sido obtidos sob coação, como afirma Eduardo Cunha?

Esta indagação é inquietante.

 

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.