Clonazepam, por Pedro Henrique

Quando a sua fantasmagórica e singularíssima posse de um Eu, de um Si mesmo, reduz-se a um objeto medicamentoso, vicioso, e instaura uma repetição enfadonha; reduzindo-se a processos, procedimentos, normas, que nada dizem respeito às realizações sutis, etéricas, desejantes desse Si mesmo, então a vida coagulou-se como um sangue, que fica grosso e fedorento. A vida mesmo é fluxo inexorável, autorrealização e compartilhamento.

O afeto, a escuta, uma conversa desinteressada e amiga, uma abertura do horizonte de possibilidades na sua vida cotidiana, são maiores remédios, possuem maior terapêutica do que qualquer objeto inerte. As neuroses dessa civilização frenética, medrosa e megalomaníaca se arrefecem num abraço fraterno. A alegria permanece, sim, a prova dos nove.

Lembro, aqui, de uma passagem acerca do apóstolo João evangelista exilado em Patmos, descobrindo uma ciência sutil também experimentada por De Assis. É como se o Amor fosse um tecelão sutil intercambiando a linguagem de todos os reinos; e como dizia Paulo: falasse em língua de anjo, falasse em língua de gente, falasse mesmo na língua de todos os reinos, de máquinas e linguagens de programação, sem o Amor como afeto e gesto bem-aventurança nenhuma seria possível.

“Mas não era somente isso. João, no exílio, aprendera uma ciência mais profunda – que somente daqui a algum tempo os portadores de conhecimento espiritual compreenderão – a interpretação da linguagem dos outros reinos. As próprias pedras, descobrira ele, têm vida e respondem ao carinho e ao amor, quando estes se intercalam em sua faixa, por hábeis pensamentos e sentimentos cuja tônica dominante é o Amor. As árvores sentiam com João, alegria e tristeza, dependendo do estado em que o apóstolo se encontrasse, e com elas ele fazia experiência no ambiente solitário que a vida lhe emprestava para viver” (Francisco de Assis, por João Nunez e Miramez).

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