Cinismo e rebolado, por Alder Teixeira

Em termos de cinismo, matéria em que o Brasil vai confirmando ser inelutável, pelo menos em termos políticos, nada que se possa comparar à declaração do futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, acerca do envolvimento em práticas de caixa dois do futuro Chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni: — “Ele já reconheceu o erro e se desculpou. O assunto é página virada.”

O pior é que o argumento, em que pese caracterizar o mais deslavado cabotinismo, vai ocupando espaço no discurso “oficial” como um lugar-comum. Está no Estadão de hoje: “Valor “irrisório” isenta Bolsonaro em caso de assessor, diz general Heleno”. Trata-se do general da reserva e futuro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do próximo governo, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, minimizando a baita repercussão que vem ganhando o relatório produzido pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre as transferências de recursos a assessores e ex-assessores de deputados no Rio de Janeiro, entre eles o deputado e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL), um dos “garotos” do presidente da República eleito.

No caso de Flávio Bolsonaro, o tal assessor é o ex-motorista do parlamentar, Fabrício de Queiroz, cujo nome aparece em movimentações financeiras irregulares na ordem de R$ 1,2 milhão entre 2016 e 2017, incluindo-se no montante o “irrisório” cheque de R$ 24 mil pago à futura primeira-dama, Michele Bolsonaro. Sobre o malfeito, bem na linha das falas citadas acima, é hilária a afirmação do próprio presidente eleito: — “Dói no coração? Dói.”, como a reconhecer o descompasso entre o discurso moralista que professou em campanha e o que se vê nem mesmo tem início o seu governo. A afirmação consta de uma transmissão ao vivo de Jair Bolsonaro através do Facebook.

Como a balizar o cinismo a que me refiro, em sendo procedente o que apontam os números da primeira pesquisa sobre o próximo presidente, cravados 75% de aprovação às medidas até aqui adotadas (indicação de ministros, extinção de ministérios, redistribuição de poderes e criação de novas pastas), os brasileiros, em sua expressiva maioria, estão satisfeitos com o que se anuncia. Pelo menos na perspectiva dos donos do dinheiro, é óbvio, os números apenas dão suporte ao que se materializa como a mais vergonhosa realidade: Garantindo os meus privilégios e fazendo crescer o meu império financeiro, “foda-se!”.

O triste é saber da outra face dessa realidade: Desemprego crescente, queda do poder aquisitivo dos mais pobres, saúde e educação no rumo do desastre etc. Sem esquecer, claro, aquela fatia do eleitorado que rebolava nas praças Brasil afora, lembra?, conhecendo de política o que cão conhece de Igreja: nada! Essa vai comer o pão que o diabo amassou.

Essa gente morre e não aprende. Lembram dos adesivos “Não tenho culpa, votei no Aécio”? Pois é, o mineirinho está de volta às manchetes de jornais. Dessa vez, segundo a Polícia Federal (PF), o senador e deputado eleito é suspeito de ter arrebanhado ilegalmente R$ 128 milhões do grupo J&F, dinheiro sujo com que comprou o apoio de partidos políticos em 2014. Aécio Neves, o mesmo cujas palavras ocupavam os mais prestigiados espaços do jornalismo brasileiro para acusar Dilma Rousseff e o PT. Sem meias-palavras: Nesta terça 12, agentes da Polícia Federal reviraram apartamentos de Aécio Neves, no Rio e em Minas, em busca de documentos que confirmem o que, para ela, é quase um fato: Aécio terá recebido R$ 128 milhões da JBS para tentar garantir a sua eleição como presidente em 2014. Rebola Brasil!

Alder Teixeira

Professor titular aposentado da UECE e do IFCE nas disciplinas de História da Arte, Estética do Cinema, Comunicação e Linguagem nas Artes Visuais, Teoria da Literatura e Análise do Texto Dramático. Especialista em Literatura Brasileira, Mestre em Letras e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais. É autor, entre outros, dos livros Do Amor e Outros Poemas, Do Amor e Outras Crônicas, Componentes Dramáticos da Poética de Carlos Drummond de Andrade, A Hora do Lobo: Estratégias Narrativas na Filmografia de Ingmar Bergman e Guia da Prosa de Ficção Brasileira. Escreve crônicas e artigos de crítica cinematográfica

Mais do autor

Alder Teixeira

Professor titular aposentado da UECE e do IFCE nas disciplinas de História da Arte, Estética do Cinema, Comunicação e Linguagem nas Artes Visuais, Teoria da Literatura e Análise do Texto Dramático. Especialista em Literatura Brasileira, Mestre em Letras e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais. É autor, entre outros, dos livros Do Amor e Outros Poemas, Do Amor e Outras Crônicas, Componentes Dramáticos da Poética de Carlos Drummond de Andrade, A Hora do Lobo: Estratégias Narrativas na Filmografia de Ingmar Bergman e Guia da Prosa de Ficção Brasileira. Escreve crônicas e artigos de crítica cinematográfica