As dimensões da crise

Avaliar as dimensões da crise exige uma reflexão sobre o que seja e não seja tal coisa e onde ela se instala. O dicionário do Houaiss refere-se a crise como um momento de agravamento de enfermidades, de definição de sua marcha evolutiva para cura ou para a morte; manifestação aguda ou agravamento de um mal; súbito desequilíbrio; grave desequilíbrio entre produção e consumo, com impacto sobre emprego, moeda e outros fatores; transição de um período de prosperidade para outro de depressão; momento histórico de indefinição, com riscos graves e iminentes. Os lugares em que a crise se instala, tratando-se de Brasil, são as finanças, a economia real e as instituições. Examinemos cada um destes canteiros onde as crises são semeadas e os frutos colhidos.

As finanças apresentam um quadro peculiar, em nosso País. As despesas públicas cresceram mais do que o PIB, ano após ano, por um quarto de século, desde 1991. A arrecadação tributária também cresceu mais do que a economia por um período quase tão dilatado de tempo. Isso não assustou senão aqueles analistas que clamaram no deserto. O crescimento da carga tributária, excedendo a variação positiva do PIB, não poderia durar para sempre. Acabou. As despesas, porém, continuam crescendo. Elas são rígidas. Estão amarradas em leis. Estão indexadas. Instalou-se um desequilíbrio. Mas não foi de súbito, como seria típico das crises. A crônica desta morte anunciada há muito estava prevista.

Temos, sim, uma crise financeira.

O ajuste do desequilíbrio fiscal precisaria de reformas, mas não temos condições políticas para tanto, aspecto que já passa para outro nicho: o da política. Outro traço das crises parece ausente: o momento de definição da marcha evolutiva para cura ou para a morte. O nosso caso, análogo ao da Argentina, parece inclinar-se mais pelas formas crônicas, não para a cura ou para a morte. Faltam partidos, líderes, programas e representação em geral.

Temos, sim, crise política.

A economia real se recente. Falta investimento produtivo. Declina a produtividade. Temos escassez de recursos humanos qualificados. A infraestrutura de transporte é péssima. Nada disso foi veio de súbito. Mas a transição das vantagens obtidas com o aumento das exportações de grãos e minérios; e com a estabilidade monetária do Plano Real passaram. A capacidade de suportar o aumento da arrecadação tributária maior do que o crescimento do PIB chegou ao fim. É a transição de um período de bonança para o de vacas magras. A massa de salários também cresceu mais do que a economia. A expansão do crédito ao consumidor, milagre do consumo sem renda, se desfez.

As instituições, porém, resistem bravamente. O Congresso, o Ministério Público e o Judiciário estão funcionando, embora não sejam perfeitos. Aplicar a lei, seguindo os trâmites do devido processo legal, não é crise. Tratar os poderosos como manda a lei não é crise. Não temos crise institucional. Impeachment não é crise nem é golpe, nas condições aludidas. Antes pelo contrário: pode ser a solução. É preciso superar a crise política para que se possa implementar as soluções para a crise da economia e das finanças.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.