ANDROMAQUIA

Sou um homem só e nu

Na noite da cidade de

Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção

Aos seus quarenta e cinco anos

 

Não penso o carinho perdido

Como na matemática cruel dos prejuízos

Esqueço que ao redor há milhões de pessoas

Quantas além de uma nuas e sós

Diante de espelhos

Quantas pensam em escrever recados

E não sabem pra quem

 

Minha opinião sobre a política

Não muda a política

Minha opinião sobre a guerra

Não acaba a guerra

 

Minha poesia

Um tímido animal de estimação

Que eu cuido que não morra

Embora eu saiba do destino

 

Meus livros

Que há tempos não compulso

Como mafiosos tatuados

Tatuados em letras pretas

Como quem se pudesse

Tatuar por dentro

Permanecem indiferentes e arrogantes

Como se o papel pudesse mais que a carne

 

Minha tatuagem

Um ritual

Mais sangrou na parte vermelha

No pequeno quadrilátero vermelho

Que eu preciso dizer o que significa

Se não parasse nunca de sangrar

Eu quero crer

Nem iam perguntar o que é que diz

A tinta do sangue já diz muito

 

Diante dos olhos a imagem nua de olhos estranhos

Como parte também de um corpo estranho

Sou talvez no mundo um vírus bem incompetente

 

Posto a nu se acaba o verbo

A tatuagem mesma é apenas uma mancha

Que já nem sequer sangra

Mas se o corpo desnudo invade a rua?

Airton Uchoa

Escritor, leitor e sobrevivente.