ACONTECEU NO URUGUAI

Aconteceu no Uruguai, em setembro de 2018. O comandante-chefe do Exército, Guido Manini Ríos, no dia 05, em declarações numa entrevista à rádio Todo Pasa, criticou o ministro do Trabalho, Ernesto Murro, após aprovação do projeto de reforma da previdência dos militares. Além disso, Ríos teceu fortes comentários contra a nova lei orgânica reguladora de sua categoria funcional.

A Constituição uruguaia proíbe terminantemente a manifestação de militares sobre projetos de lei uma vez que cabe ao Parlamento promover o debate enquanto instituição política daquele país. Em seu artigo 77, parágrafo 4, estabelece que os militares da ativa devem abster-se de “fazer parte de comissões ou de clubes políticos, de subscrever manifestos de partidos, de autorizar o uso de seu nome, e, de modo geral, de executar qualquer outro ato público ou privado de caráter político, exceto o voto”.

Diante das declarações, o presidente uruguaio Tabaré Vasquez (2015-2020) ordenou a prisão administrativa do comandante do Exército por 30 dias, a maior possível para o seu cargo, por entender a postura do militar como grave e absolutamente incompatível com o cargo que desempenha. Finalmente, em março de 2019, após fortes críticas à Justiça do país, o general Ríos foi demitido pelo presidente Vasquez.

Anteontem, 18, o eminente filósofo Sílvio Almeida, em sua coluna no jornal Folha de São Paulo, afirmou que a falta de limites no episódio da ameaça aberta ao Supremo Tribunal Federal (STF), articulada pela cúpula dos militares brasileiros, em 03 de abril de 2018, quando do julgamento do “habeas corpus” do ex-presidente Lula, sinalizou também a falta de vergonha e o “fim da esperança que o Brasil exorcizara o espírito antidemocrático”.

Faltou ao filósofo registrar que o Brasil já havia reincorporado explicitamente o “espírito antidemocrático” quando da instalação do estado de exceção por meio da orquestração e consolidação do Golpe em 2016, com a deposição ilegal da presidente Dilma Rousseff. No recente livro publicado do general Villas Bôas pela editora FGV, há um trecho em que o militar revela a consulta do vice-presidente Michel Temer sobre o processo de impeachment da presidente, garantindo o aval e a tutela das Forças Armadas ao seu governo golpista iniciado em setembro daquele ano.

Sílvio Almeida destaca sobremaneira a ausência de uma cultura democrática brasileira quando denuncia que muitos de nós convivemos tranquilamente não apenas com a violência e o autoritarismo, mas também com discursos normalizadores da violência na forma de políticos histriônicos (farsantes) e apresentadores de TV que pregam a tortura e o assassinato. Segundo Almeida, o Brasil das elites não tem vergonha de odiar seu próprio povo, de fechar o Congresso, de perseguir juízes, de autorizar procuradores a perseguirem cidadãos, de ter um presidente da República que se recusa a governar o país numa crise sanitária sem precedentes, para o qual seu referencial de exemplo humano é o torturador Brilhante Ustra.

Tabaré Vasquez tornou-se o primeiro presidente de esquerda do seu país em 2005, liderando uma Frente Ampla, pondo fim a décadas de hegemonia dos dois grupos de direita – Blancos e Colorados – que dominaram a política uruguaia desde o retorno à democracia em 1985. A Frente Ampla permaneceu no poder por 15 anos – de 2005 até 2020 – com duas presidências de Vasquez e uma de José Pepe Mujica, referência mundial das forças progressistas latino-americanas.

O retrocesso civilizacional a que o Brasil foi submetido nos últimos cinco anos, desde o Golpe de 2016, aprofundado com a manipulação jurídica da eleição presidencial de 2018, com a sórdida prisão do ex-presidente Lula, requer a necessária compreensão histórica da urgente construção da unidade do campo progressista capaz de reconduzir-nos à normalidade do nosso caminhar democrático, que nos leve a retomar a construção interrompida do nosso Estado de bem-estar social, reinserindo-nos ativamente como nação altiva no concerto da comunidade internacional.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .