“Mas com 22 anos você já pode aplicar botox” – dermatologista me disse em uma consulta.
“Essas manchas no corpo parecem sujeira, e te deixam mais velha” – ouvi quando adolescente sobre minhas sardas.
“Você precisa fazer menos careta quando fala, para não criar rugas” – minha mãe me disse quando eu ainda era criança
“Você sabe que homens preferem mulheres que cuidam do corpo? Você precisa sempre se manter jovem para não te trocarem por uma mais nova” – alguém me disse isso no início da juventude
“Homens não gostam de mulheres desleixadas” – me disseram quando falei que não uso maquiagem
“Mas você já PRECISA usar creme antiidade, senão não consegue namorado e nem vai manter um casamento” – vendedora tentando me fazer comprar um creme de quase R$ 200,00.
“Não saia falando sua idade por aí. Espere casar primeiro” – minha avó quando lembrou que já tenho 31 anos e ainda não casei.
“Envelhecer não é opção para as mulheres” – ouvi em uma conversa dentro do ônibus em Fortaleza.
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Cresci ouvindo que deveria sempre parecer jovem para que tivesse aceitação social e masculina. As maiores mensageiras de tudo isso eram as mulheres, que acreditaram nessa falácia e seguem acreditando. Não é culpa delas, é o sistema que as fez crer que tudo depende da aprovação de uma sociedade falocêntrica.
No círculo social que formei no Brasil, além da família havia um caminho contrário a tudo isso, e acabei ficando mais tranquila sobre todas essas pressões. Mas sempre soube que o meu país está no topo dos que mais fazem cirurgias plásticas em mulheres (inclusive a íntima) e um dos que mais vende cosméticos no mundo. Mesmo assim hoje vejo minhas rugas e sardas e custo a aceitá-las. Lembro de ver pessoas repugnarem coisas velhas, bengalas, idosos ativos e até mesmo abandonarem seus ascendentes em asilos. Cresci acreditando que a velhice para as mulheres é persona non grata.
Segui vendo a vida inteira mulheres sendo fortes e lutando para permanecerem jovens e cuidarem da sociedade que as adoecia. Ser velha é ser inútil. Ser velha é ser feia. Ser velha é não poder mais servir. De que serve uma mulher que não é mais agradável aos olhos e não tem mais a vivacidade dos vintepoucos? Somos como objetos, descartáveis. Não deveríamos!
Vindo para a Europa imaginei que seria bem pior. Afinal, os cremes mais caros vêm daqui. Mas, no circuito social em que estou inserida vejo um outro cenário. Ainda mulheres muito fortes e ativas, ainda mulheres que se preocupam com a aceitação social e masculina, mas mulheres que envelhecem. Que cuidam de seus filhos e netos, mas cuidam de si em primeiro lugar, e pensam em manter esse cuidado até a morte, que é aceita. Todos morrerão um dia e as coisas precisam estar em ordem e seguir – a família, os bens e as boas lembranças.
Entre minhas obrigações de estudos está ir a um centro de treinamento onde os professores são voluntários, onde pode-se aprender novas línguas, é o Doppahuis. E lá convivo com idosos (em sua maioria mulheres) ativos uma vez por semana. Comentei com eles que queria escrever sobre o quão incríveis eu os achava, mas que precisava entender melhor como era a terceira idade na região dos Flandres, na Bélgica.
As senhoras que conheci em Diepenbeek e Hasselt alimentam-se bem, não escondem suas rugas, suas papadas, suas necessidades de bengalas, usam maquiagem, carrinhos motorizados nas calçadas, aprendem novas línguas, ensinam, se mantêm dispostas a aprender, andam de bicicleta, frequentam bibliotecas, viajam… Enfim, vivem. Têm vontades e as realizam. Não são meros objetos, mesmo ainda tendo um resquício forte disso (toda essa problematização, fica para a próxima)! Há, de fato, o incentivo para uma vida diferente. É um conjunto de fatores que as faz serem assim.
Fiquei feliz quando meus colegas de classe começaram a contar suas atividades, seus hobbys e explicar um pouco como é envelhecer. É apenas normal! É natural! Muitos juntam dinheiro e compram apartamentos na velhice, alguns com atendimento médico e outros sem atendimento, depende de quanto dinheiro eles têm. Outros continuam com suas famílias, nem todos conseguem se manter ativos, alguns também são abandonados por seus filhos, mas no geral, há expectativa de vida. De vida real, não só de aniversários completados.
Sobre o dinheiro, juntam durante os anos de trabalho, muitos têm suas aposentadorias e na velhice o gastam com viagens, presentes para os filhos e netos, e planejam antes da morte para quem vão deixar o que têm. Caso você não faça isso aqui até 3 anos antes de morrer, o governo fica com 30% de tudo que é seu. Então eles planejam. É tudo preto no branco!
Dentre os hobbys está ir a museus, ler, se informar, visitar centros com outros idosos, pintar, cantar, caminhar, ir à floresta, dançar e muitas mais atividades. Sou a mais nova da classe e sinto que sempre saio com as baterias recarregadas após as aulas. Os idosos com quem convivo não param e não aceitam ser parados. Isso é inspirador. Fico feliz em ver pessoas respeitando seu tempo, mas também fazendo o tempo acontecer.