A Promessa do Lau – CLAUDER ARCANJO

Enquanto tudo corria bem na Fazenda Eldorado, rebatizada como o Instituto Butantan de Licânia, o Peditão resolveu incrementar o tratamento contra o coronavírus, incluindo pimenta e canela nos barris de canaquina.

Poucos dias depois o João Américo protestou, alegando uma reação adversa, com desconforto grave, advinda da alteração no princípio ativo da droga em teste.

Enquanto isso, algo inusitado se dava nas ruas da província.

Mas, antes, vejamos no que deu o protesto do protofilósofo das ribeiras do Acaraú.

— Qual o desconforto que você está sentindo, homem de Deus? — indagou o coordenador Batista do Zé Aguiar.

— Uma inflamação nas veias do meu reto… — tentou concluir João Américo, no entanto resolveu baixar o tom de voz, com receio da gaiatice dos presentes.

— Não entendi, João Américo! Fala mais alto, tira a macaúba da boca — reclamou Batista do Zé Aguiar.

— No ânus! Ou, como os leigos preferem: no cu, no fiofó… — disparou.

Enquanto a risada corria solta, João Américo cuidou de dar mais detalhes do seu sofrimento retal:

— Estou há dias sofrendo uma crise horrível de hemorroidas. E este efeito colateral só se apresentou em mim, quero deixar bem claro, depois que esse maluco do Peditão acrescentou pimenta e canela na nossa canaquina.

— Mas, meus amigos, isso foi recomendação do pajé Chifre de Bode! Ele é um dos mais renomados curandeiros do Maranhão. Vão-se as pregas do rabo, mas a maldita peste sai ligeira do corpo do cabra, garantiu-me o nobre pajé — Peditão esclareceu.

— Meu cu não está à disposição de curandeiro nenhum, seu desgraçado! — esbravejou João Américo.

Em meio à confusão deu-se a intercessão do Paulo Bodô:

— Nos casos de reações adversas, recomenda-se, segundo os protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS), a suspensão do tratamento. Neste caso, ou se interrompe o tratamento com canaquina, ou retira-se a pimenta e a canela do receituário; aumentando-se, claro, o equivalente na dose da cana de cada um dos monitorados.

Nem precisou colocar em votação, a recomendação do pajé maranhense foi derrotada, e o experimento com a canaquina voltou ao seu curso normal.

Paulo Bodô foi aplaudido de pé pelos presentes; com exceção do Peditão, a reclamar contra a descontinuidade do prescrito pelo renomado feiticeiro.

Nesse instante Zequinha Arcanjo, para acalmar os ânimos e mudar o rumo da prosa, solicitou a palavra e explicou que, em Licânia, só se falava na promessa do Lau.

— Que promessa foi essa, compadre? — indagou João Américo.

— Meus caros, Lau, vestido como São Francisco das Chagas, seguirá a pé, e carregando uma cruz de madeira como a de Cristo, de Licânia até Canindé. Com tão grande sacrifício, ele espera obter a graça da cura da Covid em todo o nosso município — explicou o bom Zequinha.

— Mas o Lau nunca foi tão fiel a Deus assim — admirou-se o Raimundo Sacristão.

— Milagres da peste! — benzeu-se o crédulo Marquinhos, motorista da Virgulina.

— Aposto que o Lau está querendo se apropriar dos resultados da canaquina. Enquanto a Ciência se entrega ao labor da razão, esse condenado, mancomunado com os discípulos da crendice, finge um milagre de araque, professando ao povo que a cura advirá do sacrifício dele oferecido aos Céus. Isso está me cheirando a trapaça! — observou João Américo, com a língua (e o ânus) em fogo.

Resolveram, então, nomear uma comissão para investigar a tal promessa do Lau.

E, assim, a Virgulina — com Marquinhos ao volante, Peditão e o Raimundo Sacristão — deixou o Eldorado à boca da noite.

No próximo capítulo, caro leitor, traremos novidades.

Você está preocupado com a descontinuidade do tratamento à base de canaquina do Peditão?! Não se preocupe, o Batista do Zé Aguiar preparou-lhe umas boas garrafadas, suficientes — e com muita folga — para os dias da citada missão investigativa.

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