A LUTA CONTRA A COLONIZAÇÃO DAS ÁGUAS E DA NATUREZA COMUNIDADE DE MENDONZAS –VERAGUAS – PANAMÁ Uribam Xavier

Numa programação de pesquisa acadêmica do Projeto Realidade Latino-Americana da UNIFESP e PROLAM-USP, visitamos, no dia 27 de julho de 2023, a Comunidade de Mendozas no distrito de San Francisco de la Montaña, província de Veraguas, no Panamá. Trata-se de uma comunidade rural, composta por pequenos agricultores de base familiar que vem sendo assediada por grupos nacionais e empresas transnacionais extrativistas canadenses com o intuito de se apossar e colonizar o Rio Santa Maria, as riquezas minerais e o meio ambiente no qual os povos originários e campesinos convivem há séculos.

A Comunidade de Mendozas tem o ano de 1968 como marco de sua organização comunitária despertada para uma consciência crítica e política, quando o padre Héctor Galleno chegou à região e passou a desenvolver um trabalho pastoral fundamentado na teologia da libertação e na pedagogia do oprimido de Paulo Freire. Transmitindo os ensinamentos de Jesus Cristo, como princípio radical de ligação entre Fé e vida, o padre Héctor Galleno acabou despertando as comunidades para uma formação cristã, social e de organização comunitária.

O que o padre Héctor Galeno pedagogicamente ensinou e ficou marcado no cotidiano da Comunidade de Mendozas foi a “metáfora das quatro varas”, segundo a qual uma pessoa pode quebrar uma vara com muita facilidade, duas varas juntas com uma menor facilidade, três varas juntas com certa dificuldade, mas quatro varas juntas já não quebra. Assim, uma comunidade isolada é fácil de ser vencida pelos poderosos, mas uma comunidade unida será mais difícil ser dominada. E a comunidade que, em 1968, era explorada pelos produtores de café da região, num regime de trabalho no qual toda produção ficava para o padrão e muito pouco sobrava para o trabalhador, o processo de conscientização promovido pela ação pastoral logo levou os camponeses a pensarem em produzir para si e para o fortalecimento do desenvolvimento comunitário. O resultado imediato foi que os camponeses passaram a ser ameaçados pelos patrões, e o padre Héctor Galleno foi intimidado, perseguido, sequestrado e seu corpo nunca apareceu.

Durante os anos de 2012 e 2013, a Comunidade de Mendonzas foi obrigada a se mobilizar contra um projeto de empresas extrativistas que pretendiam instalar 13 barragens para a construção de hidrelétricas ao longo do Rio Santa Maria, que fornece água potável para a cidade e para o uso doméstico, lazer e plantações das comunidades rurais do distrito de São Francisco. Estudos realizados, com o apoio da universidade, demonstraram que a construção das barragens afetaria de forma negativa a capacidade de produção comunitária, levaria a perda de autonomia econômica campesina e dos povos originários, bem como a perda da posse de suas terras.

A mobilização das comunidades, com apoio de amplos setores da sociedade, da pressão sobre o parlamento do Panamá, conseguiu aprovar uma lei proibindo a construção de hidrelétricas no Rio Santa Maria e o uso de agrotóxicos na agricultura. Ao longo desse movimento, os campesinos, povos originários e demais participantes e apoiadores sofreram repressão policial, intimidações, ameaças pessoais, processos judiciais contra suas lideranças, e nas caminhadas sofreram a violência de repressão policial por meio do uso de cassetete e gás lacrimogênio.

A vitória das comunidades contra grupos poderosos e forças ocultas (capital Internacional), como afirma Santiago Mendonza, uma das lideranças que nos acolheu, foi a garantia da continuidade do manejo do Rio Santa Maria de forma respeitosa ao meio ambiente e de sua preservação para o consumo humano/animal, para agricultura familiar, lazer e não para o acúmulo de riquezas de empresas extrativistas. Todavia, a Comunidade de Mendozas tem consciência de que essa sua vitória não foi permanente, que deve ficar alerta, pois a classe dominante, as empresas capitalistas nunca desistem de destruir o meio ambiente, de violar os campesinos e povos originários, os trabalhadores em geral, para acumular riqueza e dominar o planeta.

Leopoldo Gonçalves, Francisca Rodrigues, Fermina Orriola e Santiago Mendonza, que hoje estão ocupando posições de lideranças na comunidade, são homens e mulheres com compromisso firme com a comunidade, com seu país e que sonham com um mundo melhor. Para fortalecer a sua estratégia de desenvolvimento comunitário, de proteção de seus territórios e defesa da natureza, eles ajudaram a construir e participam de forma ativa da Rede Ecológica Social de Veraguas, formada por pequenos proprietários, comunidades indígenas de diferentes comunidades. A rede é fruto de uma luta intensa para preservar a natureza e o modo de vida comunitário. Entre as suas preocupações estão a conquista da melhoria da agricultura local, da educação e da saúde como direito universal. A Comunidade de Mendozas possui, ainda, uma cooperativa que iniciou com poucos recursos e hoje possui um patrimônio de um milhão de dólares, o que para eles é um motivo de muito orgulho e demonstração da sua capacidade organizativa.

Durante a luta contra a construção de barragens ao longo do Rio Santa Maria, as lideranças comunitárias foram acusadas, por políticos locais e empresas extrativistas, de se colocarem contra os interesses da população, contra o desenvolvimento, contra o progresso, contra a geração de empregos e um futuro melhor para todos. Contudo, as comunidades e os legítimos proprietários das terras do distrito de San Francisco de la Montaña se colocaram mesmo foi contra a colonização dos rios, das águas e da natureza pelas empresas extrativistas transnacionais na sua corrida competitiva para acumularem riquezas.

Uribam Xavier

URIBAM XAVIER. Sou filho de pai negro e mãe descendente de indígenas da etnia Tremembé, que habitam o litoral cearense. Sou um corpo-político negro-indígena urbanizado. Gosto de café com tapioca, cuscuz, manga, peixe, frutos do mar, verduras, música, de dormir e se balançar em rede. Frequento os bares do entorno da Igreja de Santa Luzia e do Bairro Benfica, gosto de andar a pé pelo Bairro de Fátima (Fortaleza). Escrevo para puxar conversa e fazer arenga política.