Dizem que somos racionais. Sem dúvida somos dotados de razão. Não teríamos construído o magnífico edifício da civilização, inclusive ciência, tecnologia, organização social se assim não fosse. Não significa, porém, que sejamos guiados pela razão. Paixões limitam o uso do discernimento lógico. O próprio conhecimento, quando imbuído da presunção de certeza, pode ser um obstáculo formidável no caminho da sensatez, segundo advertência de Gaston Bachelard. Mais ainda se estimulado por uma pretensa superioridade moral.
Max Plank chegou a dizer que a Física só cresce quando morre uma geração de físicos. Galileu, Pasteur e tantos outros prestam testemunho semelhante acerca dos limites da razão. A escola do racionalismo pós-crítico chega a dizer que a ciência é irracional, conforme expressão de um dos seus maiores expoentes, Thomas Samuel Kuhn, para quem as referências teóricas são viseiras irracionais, motivo pelo qual Galileu, Pasteur e todos os autores de descobertas revolucionárias não conseguiram explicar aos doutos os fundamentos de suas descobertas.
Barbara Tuchman, em “A marcha da insensatez”, descreve a incapacidade de perceber os próprios erros, por parte de pessoas inteligentes e cultas, incrustradas em governos, apesar de reiteradas advertências. A autora cobre a história da obstinação insensata desde os tempos de Troia até o século XX.
Corria o ano de 2012, quando, participava de um diálogo com pessoas qualificadas, a televisão interrompeu o debate para transmitir a fala da presidente. Era o anúncio da redução da tarifa de eletricidade. O grupo apoiou. Tentei dizer que isso estimulava o consumo sem estimular o investimento e outras coisinhas mais. Ninguém concordou. Algum tempo antes, vivendo situação semelhante, tentei explicar a pessoas qualificadas que a tentativa de baixar os juros por decreto, com base no voluntarismo, empreendida pelo governo Dilma, não poderia ser bem sucedida, porque seria preciso equilibrar as contas públicas e adotar políticas minimamente estáveis, sem heterodoxias criativas. Os doutos não compreenderam.
A política de tarifas artificialmente baixas já alcançava os combustíveis. Resultado: quebraram o setor elétrico e a Petrobras. Os juros voltaram a subir, contra a vontade do governo. A represa dos preços arrombou. O estrago foi pior do que o da barragem de rejeitos de mineração, em Mariana.
Sair do atoleiro puxando os próprios cabelos, reduzindo a ciência econômica a uma simples gastança, em nome da “teoria da demanda agregada” ou da mal explicada “nova matriz econômica”, versões econômicas do moto perpétuo na física, seduz muitos intelectuais.
Os doutos não entendem algumas coisas evidentes, por mais que se explique. Por que os intelectuais erram tanto? Obstáculo epistemológico, diria Bachelard. Cegueira dos paradigmas, diria Thomas S. Kuhn. Tática de engajamento político, diria o homem do povo. Vaidade de quem não quer retroceder sobre os próprios erros, diriam os antigos. Ou tudo isso, variando de pessoa para pessoa.