A ilegitimidade institucional, por Rui Martinho

O Congresso é autodestrutivo. É a casa da pluralidade. As partes se entredevoram. A autocrítica compromete a imagem da instituição. Escândalos trouxeram desmoralização. Chantageado por um dilúvio de mandados de busca e apreensão dirigidos contra integrantes de um só partido, quando aproximadamente uma dezena de agremiações estavam sendo investigadas; coagido explicitamente, quando o presidente do Congresso, após ser alvo de pedido de busca e apreensão teve o pedido negado no momento em que aderiu ao governismo, o Legislativo faliu.

O Executivo nomeia interventor para a liderança de um grande partido. A pulverização de agremiações e desagregação de bancadas tornam inoperante o Congresso. Falta uma maioria para legitimar decisões. Submetido aos decretos disfarçados de medidas provisórias, o Legislativo vive um dos seus piores momentos.

A principal atividade dos nossos congressistas é a sobrevivência política própria, da titular do Poder Executivo ou do partido.

O governo está paralisado. Quando decide o faz de forma vacilante, exceto nos erros. Praticou preços artificialmente baixos de combustíveis, destruindo o programa de etanol e a Petrobrás. Desestruturou o sistema de eletricidade com esta mesma política de preços praticada no altar das eleições. O projeto de poder é o seu único propósito. Jogou fora o bônus demográfico e o tempo das vacas gordas dos preços favoráveis de grãos e minérios exportados. Tentou baixar os juros por decretos, sem equilibrar as contas públicos, fracassando grosseiramente, como não poderia deixar de ser. Fez o desastre.

Falta liderança, credibilidade, competência e habilidade política. A presidente tentou destruir o PMDB, estimulando a criação do PSD e PROS; fingiu partilhar o governo ao entregar ministérios, mas não prestigiou ministros. Isolou-se e provocou a guerra parlamentar. Marqueteiros habilidosos conseguiram satanizar a reivindicação de aliados. O bônus do poder foi negado a quem arrostou o ônus das decisões desastrosas do governo.

A “sociedade civil organizada”, apresentada como democracia aprofundada, é a sociedade civil aparelhada, formada por pelegos e messiânicos vitimados pela cegueira ideológica.

Os partidos políticos não têm representatividade. Até o lamentável personalismo esvaneceu-se. Não temos projetos nem propostas aglutinadoras de uma maioria capaz de legitimar um governo. Sem partidos, sem líderes, sem propostas, afirmam os brasileiros: “mas instituições estão funcionando”. Funcionam legitimamente? Legislativo, Executivo não satisfazem tal requisito.

Restaria o judiciário? O STF transformou-se em SLF, o Supremo Legislador Federal. Alegam os defensores do ativismo judicial que o Legislativo se omite. Sim, e isto significa que a legislação feita no SLF foi tacitamente rejeitada no Congresso e tal rejeição é legítima. Temos uma constituinte permanente, o SLF, sem um só voto popular. É mais uma instituição cuja legitimidade está ferida de morte.

Será a ingovernabilidade? A história encontrará uma saída, o que é um perigo.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

Mais do autor

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.