A ideologia do gênesis, por EMANUEL FREITAS

Sem dúvida alguma, um dos elementos ideológicos mais coesos dos homens que compõem o governo ideológico de Jair Bolsonaro (que enuncia-se como “não-ideológico”) é a oposição a qualquer coisa ou termo que diga respeito àquilo que alcunharam como “ideologia de gênero” (o conjunto de estudos que, desde os anos 1960, questionam a naturalização dos papéis de gênero atribuídos a partir do binarismo sexual). Para oporem-se a esses estudos, dizem preferir a “ideologia do gênesis”, fazendo referência ao livro bíblico que reúne as narrativas míticas em torno da criação do mundo e de Adão e Eva.

Pois bem, ao afirmarem preferir a “ideologia do gênesis”, tais sujeitos nada mais dizem do que preferirem uma volta ao tempo em que os papéis de gênero estavam muito bem sedimentados na lógica do binarismo sexual, em que o lugar da mulher – subalternizado – permanecia crido como correspondente ao “natural”, à “ordem das coisas”.

Insistir na “igualdade de gênero”, como fizeram os movimentos feministas, a Universidade e o movimento LGBTQ+, põe em questão os alicerces de todo um mundo alicerçado naquilo que Pierre Bourdieu denominou como “dominação masculina”, o que corresponde a algo ameaçador para aqueles segmentos que lucram com tal dominação, sobretudo os segmentos religiosos conservadores. Não por acaso, Damares Alves, ministra do governo que segue a “ideologia do gênesis”, pôs a culpa pela violência contra a mulher na tal “igualdade”.

Penso nessas coisas ao ver os relatos em torno do lançamento de candidaturas laranjas de mulheres nas eleições de 2018, sobretudo de partidos ligados aos ideais do governo de Jair Bolsonaro, tendo o PSL à frente.

Na tentativa de corrigir a histórica exclusão de mulheres dos cargos representativos, desde 2009 os partidos devem reservar 30% das candidaturas lançadas para cargos legislativos às mulheres; e, ano passado, esse percentual também deve ser seguido no que tange à distribuição dos recursos do fundo eleitoral, conforme decisão do TSE. E foi aí que o “gênesis” entrou em ação, conforme estamos vendo ser noticiado pelos vários casos de uso de mulheres como “laranjas”.

Na obrigatoriedade de lançar mulheres candidatas e destinando-lhes parte considerável do fundo eleitoral, os partidos dos autoproclamados “homens de bem”, lograram pôr fim à “ideologia de gênero” – assegurando a participação das mulheres nos espaços de poder de onde são historicamente excluídas – valendo-se da “ideologia do gênesis” – subordinando-as aos interesses dos homens, seus “varões”. Afinal, ora bolas, que querem elas em espaços de homens?

Lembremos que, durante debate realizado na REDE TV, ao ser questionado pela então candidata Marina Silva (REDE) acerca de sua opinião sobre salários menores dados às mulheres em relação aos homens, apresentada por ele como uma questão “com a qual não se deva preocupar”, Bolsonaro respondeu desqualificando-a como “uma evangélica que defende plebiscito para aborto e maconha”, de que Marina não sabia o que era “ser uma mulher”, dizendo-se defensor da mulher por defender “a castração química para estupradores”, mandando-a calar-se pois “não o poderia interromper”, finalizando com uma ordem significativa: “leia o livro de Paulo”, referindo-se às diversas admoestações a favor da subalternização da mulher ali presentes. Como exemplo, o leitor pode consultar a 1ª Carta aos Coríntios 14, 33-35.

O candidato, falando isso, foi ovacionado. Portanto, está claro o que o candidato pensava como o lugar da mulher: a casa, esfera privada, deixando ao homem o mundo público, político. Parece ser essa a lógica do boicote feito pelos “partidos de bem” às candidaturas femininas.

E, seguindo bem a narrativa bíblica, a culpa por tais laranjizações recai sobre as próprias mulheres, auxiliadas pela lei. Em matéria publicada pela Folha de São Paulo, no último dia 03, o senador Major Olimpio afirma que “para cada mulher que você não consegue nos 30% você está perdendo candidatura masculina”. Por sua vez, Selma Arruda, deputada estadual, na mesma reportagem afirma que “se não temos mulheres suficientes é porque elas não se interessam ainda”.

Logo, é responsabilidade da própria legislação, dizem nossos homens de bem, o fato de alguns dos partidos terem se valido da prática do uso de laranjas. Pois bem, nada mais conforme à “ideologia do gênesis”, sobretudo quando essa nos narra a resposta de Adão à Deus quando este o indaga sobre a desobediência à ordem de não provar do fruto da árvore: “foi a mulher que puseste a meu lado quem me ofereceu”.

Amém! Deus acima de todos!

Emanuel Freitas

Professor Assistente de Teoria Política Coordenador do Curso de Ciências Sociais FACEDI/UECE Pesquisador do NERPO (Núcleo de Estudos em Religião e Política)-UFC e do LEPEM (Labortatório de Estudos de Processos Eleitorais e Mídia)

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Professor Assistente de Teoria Política Coordenador do Curso de Ciências Sociais FACEDI/UECE Pesquisador do NERPO (Núcleo de Estudos em Religião e Política)-UFC e do LEPEM (Labortatório de Estudos de Processos Eleitorais e Mídia)

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