A festa do Eid al-Fitr

O jejum é um dos cinco pilares do Islam. É obrigatório para a maioria dos mulçumanos, exceto para aqueles que têm a saúde comprometida pela falta de alimento. Deve ser praticado durante todo o mês do Ramadã (o nono no calendário lunar islâmico), do nascer ao por do sol. Mas jejuar contempla não apenas deixar de comer ou beber; é necessário evitar outros hábitos a fim de elevar a espiritualidade pessoal para se aproximar das graças de Deus.

Ao final do Ramadã (que significa “calor intenso”), o período mais sagrado para os mulçumanos, quando eles colocam em prática o jejum e também intensificam o exercício das boas ações (a caridade) em relação aos seus semelhantes, procurando inclusive afastar todos os atos maléficos, os fiéis do Islã celebram a festa do fim do jejum que, em árabe, é chamada Eid al-Fitr.

O evento acontece no primeiro dia do mês de Shawwal, o décimo no calendário lunar islâmico, dividido em duas etapas: a oração e a festa das celebrações. É um ritual obrigatório, e neste ano de 2021 teve início na noite do dia 12 de maio, quando o plano elaborado pelo sionismo judaico de novo massacre contra o povo palestino já estava a todo vapor.

Retornando à seta cronológica, encontramos a centralidade do Profeta Abraão (pai de muitos povos) como a figura fundante das três religiões monoteístas, também conhecidas como religiões abraâmicas: judaísmo, islamismo e cristianismo. Segundo a Bíblia, descendente de Noé e do seu filho Sem – de onde vem o termo semita – Abraão teve seu filho primogênito Ismael com sua escrava Agar, pelo fato de sua esposa Sara ser considerada estéril, apesar de bela e haver encantado o Faraó do Egito, quando Abraão habitou aquelas terras devido à fome na região . Agar, em virtude dos maus tratos sofridos por ela nas mãos de sua senhora Sara, fugiu; mas um anjo disse-lhe para retornar porque o “Senhor Deus iria multiplicar a sua descendência que ninguém as conseguiria contar”. Da relação entre Abraão e Agar nasceram os ismaelitas (mulçumanos).

Somente quando Sara estava já centenária, ela engravidou de Isaque que posteriormente seria pai de Jacó (também conhecido como Israel, depois de sua luta com o anjo). Assim, a rigor, não pela perspectiva étnica, mas pela perspectiva histórico-hermenêutica religiosa do antigo testamento, são semitas, ou seja, descendentes de Sem, todos os fiéis das três religiões monoteístas originadas a partir do mesmo pai Abraão, portanto, irmãos.

Entretanto, os arquétipos da origem da fundação das cidades dão conta dos fratricídios dos seus fundadores: Caim, fundador da cidade (“polis” em grego) de Enoque, assassinou seu irmão mais novo Abel; como Rômulo, fundador da cidade de Roma, agiu de morte contra seu irmão gêmeo Remo. Donde se conclui que a fraternidade por si só não garante a paz nem a benevolência entre os irmãos.

Indaga-se: por que a fraternidade, categoria basilar nas vivências religiosas, fundamental na construção de comunidades políticas coesas e pacíficas, apresenta-se como um elo frágil e incapaz de deter a violência alimentadora de centenas de extermínios de povos perpetrados pela humanidade ao longo de sua caminhada existencial?

Segundo Marcel Mauss, em sua obra “Ensaio sobre a dádiva”, as sociedades não são uma massa homogênea de irmãos, mas uma realidade complexa, com grupos e subgrupos que se imbricam, entrecruzam-se, soldam-se, descolam-se, exigindo não apenas laços de reciprocidade, mas um conjunto de laços contratuais que garantam a todos a liberdade para expressarem totalmente suas personalidades. Afinal, humanos não são máquinas, não são anjos nem são demônios, mas indivíduos em busca de sua humanidade, de sua humanização. Há que se respeitar e garantir a todos os seus direitos em sua especificidade pessoal, principalmente àqueles “irmãos” menores – indivíduos, grupos ou subgrupos – desprovidos de poder em sua relação com os “irmãos” mais poderosos.

Por outro lado, para o professor brasileiro Milton Santos, no seu estudo “Por outra globalização”, há uma perversidade explícita do sistema global (neoliberalismo) quando o fundamentalismo economicista define a competitividade como regra absoluta das relações entre humanos na qual o outro – seja ele indivíduo, instituição, empresa ou populações – aparece como obstáculo à realização dos fins estabelecidos a partir do dogma do acúmulo egoístico infinito e para tanto os obstáculos devem ser removidos, de uma forma ou de outra. Desta concepção decorrem a celebração do egoísmo, o alastramento do narcisismo, a banalização da guerra de todos contra todos, com a utilização de qualquer meio para obter o fim colimado, ou seja, competir e vencer a todo custo.

Como subproduto da competitividade surgem a corrupção, a mentira, o engodo, a dissimulação, o cinismo, a glorificação da “esperteza”, a negação da sinceridade e da generosidade. Desse modo, o caminho fica aberto ao abandono das solidariedades em todo o edifício social, ao fim de uma ética de convivência fraterna, consequentemente, o fim da política baseada nos princípios democráticos da liberdade, igualdade e fraternidade.

Assim, o massacre sionista contra o povo palestino deflagrado neste mês de maio como também os focos de violência e tensão espalhados pelo planeta vêm mais uma vez sinalizar para a urgente necessidade de um reordenamento do poder internacional por meio de instrumentos garantidores de uma multipolaridade capaz de enfrentar de forma eficaz e efetiva as opressões históricas, no sentido de garantir a justiça aos povos oprimidos. Ao mesmo tempo, no âmbito interno de cada nação, faz-se necessário um amplo movimento social capaz de reorientar seus Estados para a busca da construção de instituições e elaboração de políticas garantidoras dos direitos dos indivíduos e grupos, a partir dos mais injustiçados.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .