O mundo está dividido. Não é apenas a separação das nações em grupos antagônicos, nem corresponde ao conflito entre as classes sociais, das teorias de estratificação social que explicam a História pelo conflito entre classes. Não é apenas a divisão confessional. A visão de mundo das diferentes civilizações, misturadas pela globalização, engendrou uma cultura sincrética, com partes imiscíveis das culturas de onde procedem. A difusão e o florescimento de versões populares de teorias dos pensadores contribuíram para divisões e antagonismos. Além de dividido o mundo está susceptível e conflagrado.
Cientistas têm um passado de desentendimentos entre cultores de paradigmas diferentes. Thomas S. Kuhn (1922 – 1996) vislumbrou a incomunicabilidade entre as tradições teóricas e metodológicas que nomeou, na obra “A estrutura das revoluções científicas”, como paradigmas. Gaston Bachelard (1884 – 1962) percebeu o obstáculo que o conhecimento estabelecido representa para o conhecimento novo. A novidade para quem recebe a informação que pode ser velha. Scott Raymond Adams (1957 – vivo) relata, na obra “Ganhar de lavada”, que ficou isolado ao prever a vitória de Donald Trump. Confundiram a análise prospectiva dos fatos com torcida e favorecimento; foi hostilizado, perdeu metade dos amigos por fazer uma análise diferente. O relato de Adams ressalta que ele tem ideias contrárias, em muitos pontos, às do então candidato cujo vitória ele prognosticou. Mas divergência não é perdoada.
A explicação dada por Adams para haver percebido o que a maioria dos analistas não percebeu, além da experiência no campo das técnicas de persuasão do meio empresarial, foi o fato de não pertencer a nenhum grupo político de alguma tradição filosófica. Não foi tão contaminado com a cegueira dos paradigmas. Não fez carreira acadêmica. Universidades exigem que as teses assinalem o referencial teórico sob o qual se abrigam, prestigiando, indiretamente, o argumento de autoridade e paradigmas. Os títulos são supervalorizados, o que também promove o argumento aludido.
A incomunicabilidade percebe o outro como absurdo. Scott Adams ressalta a seletividade das fontes de informação, voltada para a confirmação do pensamento adotado por analistas e pelo público. Renê Noel Theóphile Girard (1923 – 2015) interpreta a identidade mimética, construída a partir do outro, como fonte primeira dos conflitos. A imitação leva a competição e a hostilidade para com o imitado. Desafiar paradigmas é atingir o referencial identitário imitado. Fere a identidade do imitador por atingir o professor, o autor e o ismo cultuado, embora nem sempre entendido pelo seguidor. A incompreensão e o conflito mimético podem se somar a interesses confessáveis. O psiquiatra Antony Daniels, conhecido como Theodore Darlymple (1949 – vivo) diz que o mundo está desorientado pela ação dos intelectuais. O trabalho intelectual exige criatividade. Autocrítica não é criativa. Intelectuais são membros da intelligentsia, portanto engajados em causas havidas como nobres, cujo trabalho se circunscreve ao campo das ideias, se acham ungidos e satanizam os que deles divergem. Fechados para a crítica cometem erros grosseiros, conforme descritos por Thomas Sowell (1930 – vivo). A difusão do pensamento assim produzido desorientou o mundo. Os simplórios também se deixam levar por desorientadores. Mas não tendo apego a paradigma podem deixar mais facilmente suas referências. Podem cultuar personalidades, mas se desvencilham dos seus ídolos sem hesitação.