A degeneração da política

A monarquia degenera em tirania, a aristocracia em oligarquia e a república em demagogia, segundo Aristóteles. O espírito da monarquia é a honra; o da aristocracia o mérito; o da tirania o medo; o da república a virtude altruística, ainda segundo o preceptor de Alexandre Magno. A república tem como fundamento uma premissa ilusória, alicerçando o Estado no altruísmo. Montesquieu foi mais sábio quando sistematizou a divisão de funções do poder indivisível do Estado, que havia sido pensada pelo estagirita e mais tarde por Locke. O altruísmo em quantidade e qualidade não existe em escala suficiente para ocupar os espaços do aparato estatal. As virtudes, quase sempre autoengano ou hipocrisia consciente, são perigosas. Os santarrões são inclinados ao totalitarismo. A presunção de superioridade moral é falsa, intolerante, agressiva, tendente a ignorar a realidade, ao modo do titanismo dos românticos.

Os que pousavam de vestais da nossa República, no exercício do poder, revelaram-se torpes, sistematizaram a corrupção e criaram a situação inédita em que os corruptos tornaram-se maioria e solaparam as instituições. A divisão das funções do poder indivisível do Estado foi comprometida pela sistemática submissão dos Poderes a um centro corruptor. A ação da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e de um juiz de primeira instância, o valente Sérgio Moro, a conspiração foi abalada. Os sócios do pacto criminoso desentenderam-se, revelando os crimes uns dos outros.

O Legislativo se desmoraliza a cada dia, por ter se deixado corromper pela organização criminosa. O Executivo, fora do foco das denúncias do MPF, não pode pousar de inocente: tem a chave do cofre, usa e abusa da caneta e do Diário Oficial da União para nomear e trocar verbas por cumplicidade. A prova disso está no tradicional domínio do Executivo sobre o Legislativo, que só foi abalado quando as investigações provocaram conflito entre os cúmplices.

Os tribunais superiores são a nossa última esperança. Interrogado sobre o que espera deles, o juiz Sérgio Moro pediu licença para não responder. Foi uma resposta alarmante.

O Poder Executivo vive uma situação inusitada. A presidente Dilma encontra-se sob a tutela do ex-presidente Lula. Governo assim conduzido fica entre idas e vindas, com iniciativas que logo são abandonadas. A presunção de superioridade moral clama por demonstrações de virtudes cívicas. O realismo econômico tende a ser substituído por escolhas inspiradas na chamada “nova matriz econômica”, receita certa de fracasso.

A briga entre investigados favorece o trabalho da justiça. O deputado Eduardo Cunha foi apanhado com a mão na cumbuca. Todos o estão amaldiçoando. Não esqueçamos, porém, que contra mafiosos a melhor arma é outro mafioso. Pessoas íntegras não têm muito como enfrentar organizações criminosas. O deputado deve responder pelos seus atos, mas não esqueçamos do comando da organização criminosa. Desviar o foco das atenções para uma peça secundária da Lava Jato é um é um erro grave.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.