A CIÊNCIA, O BRASIL E A IGNORÂNCIA

Do saber geral é o fato de que a produção do conhecimento, especialmente por intermédio do desenvolvimento da Ciência, não ocorreu por acaso, muito menos pelo vácuo de ideias, quando do seu surgimento na Grécia Antiga, no século VI a.C. com os pensadores présocráticos, chamados de filósofos da natureza e pré-cientistas. Muito pelo contrário!

Ao largo do seu desenvolvimento, a Ciência sempre manteve estreita relação, não só com a Religião, mas, também, com a Política. O saber científico emergiu numa Europa predominantemente cristã, mas transporta na origem a robustez das influencias dos chineses, árabes, indianos e, também, dos africanos.

Nesses tempos de negação do conhecimento parcialmente ordenado – como quer Herbert Spencer – e de irracionalidade impulsiva na senda diversificada do pensamento e das relações sociaischamo a atenção daqueles que mantêm intacto o uso da razão para refletirmos sobre essa horda de ignorantes que perambulam pelos poderes, erodindo a democracia, no tentâmen de destruir as estruturas do Estado moderno, tal como conhecemos.

No nosso País, perpassa a polarização política, convidada como justificativa para manipular  e impor os desvalores, a ideologia e a ideação de República mal entendida pelo Catilina histrião do segundo quadro da História, o presidente [que nem letra inicial maiúscula merece], e sua corriola composta por vassalos de pijama para encarar e depreciar o seu Caio Túlio Cícero, configurado na sociedade brasileira atual.  Quosque tandem, Catilina, abutere patientia nostra? “Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?”

Para identificar a gênese dos ignorantes que ocupam os poderes da República, desde uma perspectiva multidisciplinar, se assim é válido caracterizá-los, vamos situá-los com base nos pressupostos da educação ou da sua falta, e da Sociologia, conforme definição de Raymundo de Lima, num ensaio editado a respeito da ignorância na sociedade atual, no qual reúne os variados formatos e manifestações da ignorância, bem assentes ao momento vivido, e que se adequam ao perfil dos ignorantes à frente dos destinos desta Nação .

Identificamos, pois, neste âmbito, o ignorante por ingenuidade, esse em número bastante reduzido; temos o douto ignorante, numericamente bem superior, assim como o ignorante intencional, atuante contra o conhecimento sistemático, onde se expressa o negacionismo vigente na realidade em curso, além do ignorante especialista, sempre muito falante, aqui corporificado na figura do vice-presidente, Hamilton Mourão, cujas opiniões versam desde parto de raposa até atracação de navio. Sabe tudo…!

Como, nesse governo, o espectro da ignorânciaé vasto e diversificado, transpondo os muitos ignorantes autodidatas, na definição de Mario Quintana, assimilamos, ainda, o ignorante do superego pós-moderno, ao se mover guiado por uma personalidade ambígua, que, nas atuais circunstâncias, se materializa manifestamente na pessoa do ministro Paulo Guedes, BTG-Pactual, que vive a dualidade entre o pseudoliberalismo econômico, do qual se diz defensor, e o estatismo conservador do presidente este sim, o mais néscio, bronco, apedeuta e nefasto de todos, pois o é por opção, e padece de dupla ignorância, quer dizer, ignora que é ignorante!

Como nos ensina o Barão de Itararé, […] “sábio é o homem que chega a ter consciência da sua ignorância”. Este é um ensinamento não assimilável de modo algum pelo presidente, que, além de duplamente ignorante, possui parcos recursos mentais.

Vivemos um obscuro panorama de ignorância e negacionismo irracional, com claro viés dogmáticoreligioso, pois, para o presidente da República, o Ministro da saúde e a Anvisa, mesmo com o registrode mais de 183 mil mortes, causadas pelo coronavírus, vacinar a população já não tem tanta importância; afinal, já estamos no finzinho da gripezinha” Não é sem propósito, por conseguinte, lembrar que, sob o prisma histórico, a Religião não apenas esteve relacionada à Política, usada como instrumento de dominação, assim como em várias fases da história da humanidade, as crenças religiosas se revelaram também forte obstáculo ao desenvolvimento científico, especialmente em governos autoritários. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Em estudo publicado pela revista Netnature, está expresso que,[…] também é verdade que a ciência tem um relacionamento com política, quando foi usurpada e usada para praticar atrocidades – como se fossem racional e cientificamente justificadas. O caso mais evidente foi o racismo pseudocientífico na Europa, pautado em afirmações sociológicas de superioridade europeia e inferioridade de outros povos e etnias; o uso da eugenia não somente na Alemanha nazista, mas também nos EUA; e o darwinismo social estabelecido, por Herbert Spencer [mencionado há pouco neste artigo] ao relacionar o liberalismo clássico com uma noção enviesada da teoria da evolução”.

Nesse locus protofascista, gestado pelo bolsonarismo analfa e bufão – no qual predomina fanatismo político e falso-religioso, liderado pelos exploradores da fé e da ignorância do povo pobre desesperado falsos líderes evangélicos”, no Congresso, e em suas igrejas, em conluio com esse governo, pretendem destruir as estruturas  sociopolítica e cultural vigentes. Tentam esse malefício por intermédio da ideação destrutiva do modelo de sociedade democrática que temos hoje, fundada no pluralismo das ideias, na tolerância e no respeito às minorias, na convivência pacífica com os que são e pensam diferente. Eles operam, a contrário sensu, por via de um sistema ancorado em fake news, destruição continua do meio ambiente, exclusão e até a eliminação dos grupos étnicos, bem assim total não aceitação da ideia de igualdade de gênero.

Neste passo, é imperioso registrar o fato de que essa relação incestuosa entre Política e Religião no Brasil, na realidade em curso, é de tal gravidade, que deve ser lembrado o que ocorreu em 4 de outubro de 2018, quando toda a bancada evangélica no Congresso manifestara apoio para eleger o então candidato Bolsonaro (declaradamente simpático à ditadura militar e, tudo indica, antipático aos militares patriotas e de escol) como o seu representante para defender as pautas dos seus integrantes.

A comunidade científica, assim como as instituições jurídico-política, bem como a sociedade em geral, devem atentar é para o que não está sendo dito explicitamente, mas que vêm sendo forjado na escuridão da ignorância intencional, tendo como horizonte 2022, a exemplo daquela famosa reunião ministerial, onde se devia aproveitar para passar a boiada, no dizer do irresponsável ministro do mal ambiente, e de que os Ministros do STF deviam ir para a cadeia, segundo a intenção do então patético ministro da Educação, além de que era necessário trocar todo o comando da PF, no Rio, conforme palavras do próprio presidente Bolsonaro, para que ele pudesse ter informações sobre os inquéritos e investigações a respeito de seus filhos e amigos, e que só ficamos sabendo por uma providencial decisão do ex-Ministro Celso de Melo.Talvez por isso alguém do governo queria tanto vê-los na cadeia.

Em um governo de ignorantes e de tempos tão sombrios, Hipócrates nos ensina que, […] “Há verdadeiramente duas coisas diferentes: o saber e crer que se sabe; em crer que sabe reside a ignorância”. Não é preciso dizer mais!

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Arnaldo Santos

Arnaldo Santos é jornalista, sociólogo, doutor em Ciencia Política, pela Universidade Nova de Lisboa. É pesquisador do Laboratório de Estudos da Pobreza – LEP/CAEN/UFC, e do Observatório do Federalismo Brasileiro. Como sociólogo e pesquisador da história política do Ceará, publicou vários livros na área de política, e de economia, dentre eles - Mudancismo e Social Democracia - Impeachment, Ascenção e Queda de um Presidente - sobre o ex-Presidente Collor, em 2010, pela Cia. do Livro. - Micro Crédito e Desenvolvimento Regional, - BNB – 60 Anos de Desenvolvimento - Esses dois últimos, em co-autoria com Francisco Goes. ​Arnaldo Santos é membro da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo – ACLJ, e da Sociedade Internacional de História do século XVIII com sede em Lisboa.