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Walk the Line: E a cinebiografia como uma honesta apresentação de nossos ídolos

A história da música, e mais especificamente a do Rock `n` Roll, passa pelo conjunto dos grupos e artistas que apostaram em seus trabalhos e até mesmo ideologias de vida. E essa vertente ideológica é, sem dúvida, uma das principais marcas do Rock enquanto gênero. Na esteira do personalismo que a música nos traz, alguns nomes serão para sempre lembrados como pontos seminais de uma rica cultura musical. Entre esses nomes está o de Johnny R. Cash.

Baseando-se em biografias que remontam à história de Cash, James Mangold encontrou material necessário para a realização de seu “Walk the Line” (2005). No longa, acompanhamos a trajetória desse que foi um dos músicos mais influentes do rock e folk, não apenas norte-americano, mas também mundial. Entre escolhas estéticas e de abordagem ligadas ao conteúdo, somos introduzidos aos anos de vida desse fascinante personagem.

A arte é, portanto, uma das premissas básicas do filme e se coloca como um fio condutor de uma narrativa de caráter naturalista e centrada em suas personagens. Tal recorte, no entanto, não impediu que a obra viesse dotada de um bem delineado toque autoral definido pela marca de um cinema esteticamente pensado.

Porque refletir o cinema como exercício estético é geralmente esse “dar-se conta” de como as imagens que vemos nos chegam enquanto espectadores. E dentro da máxima onde se diz que os 10 primeiros minutos de um longa são os seus instantes mais importantes, Mangold endossa essa ideia através de um prólogo que vai além da apresentação de Cash enquanto protagonista. O direcionamento de seu longa é dado a partir desse ponto.

Por isso temos uma câmera que parece deslizar entre os planos. Num movimento contínuo, ela nos guia para um importante recorte da vida de Johnny Cash. Estamos em 1968, nas dependências de uma das maiores prisões de segurança máxima dos Estados Unidos. Em Folsom Prison, Cash realizou, não apenas seu maior disco já feito, mas também escreveu um dos episódios mais marcantes da história do rock. Ele se apresentou com sua banda, Tennessee Three e June Carter (seu grande amor), para uma multidão de homens sedentos por novas esperanças. Foi tomando esse potente gancho que Mangold decidiu apresentar seu filme.

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O fio condutor de “Walk the Line” é a marcante apresentação de Cash no presídio de Folsom Prison em 1968. Aqui, Phoenix interpreta o músico naquele contexto.

Assim, voltando à técnica, nosso olho segue essa câmera que, juntamente com um minucioso roteiro, constrói uma espécie de caminhar em escala de progressão a partir de cada evento ocorrido na atribulada vida de Johnny Cash. Por isso é tão relevante notarmos como a montagem fílmica, apesar de ser um outro braço da linguagem cinematográfica, não pode deixar de ser vista como uma extensão indissociável do fazer audiovisual no seu todo.

Falamos disso porque se o resultado de “Walk the Line” nos vem com a impressão da obra que emana fluidez, isso se deve sobretudo pelo modo como sua roteirização se encaixa no plano de montagem do longa.

Em tese, ele é formado por três diferentes tempos diegéticos. No caso, um presente, onde temos Cash prestes a executar sua apresentação em Folsom Prison; Um passado distante, que remonta em flashbacks a infância e os primeiros trabalhos do personagem nos anos 1950; E um passado próximo, que retrata o período de ascensão e declínio do músico no início dos anos 1960. E a separação desses universos é o que garante exatamente essa fluência narrativa, uma vez que esse é um tipo de escolha que livra a obra das enfadonhas digressões fílmicas ou desenvolvimentos que se inundam em excessos.

Mas a riqueza de “Walk the Line” também passa pela sua dramaturgia. E numa escala lógica, quando a experiência do cinema tem a seu favor tópicos como: boa direção, roteiro, montagem e elenco bastante cristalizados, as possibilidades de êxito do fazer fílmico não tem precedentes. Nesse sentido é que Joaquin Phoenix como Cash e Reese Witherspoon como June, entregam suas contribuições a essa cinematografia que rompe com os limites da mera representação.

Não falamos dos Oscars de Melhor Atriz e demais indicações de Melhor Ator e Montagem que o filme recebeu em 2006, mas de como a atuação e performance no audiovisual deixa de apenas representar e passa a “apresentar” personagens históricos sob formas muito mais honestas e viscerais.

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Joaquim Phoenix e Reese Witherspoon interpretam Cash e June. Em seus papeis, os atores rompem com a escala da representação e apresentam os personagens históricos.

Certamente esse é o principal legado que a cinebiografia nos deixa. Na criação de versões sinceras desses ídolos, numa evocação que traz muito de uma espécie de celebração que não deixa de abrir mão de uma mostragem do real que forma a memória dessas figuras e as nossas mesmas. Assim como foram as de Johnny Cash e tantos outros ao longo da história da música.

¹ A diegese é o conceito de narratologia, estudos literários, dramatúrgicos e de cinema que diz respeito à dimensão ficcional de uma narrativa. Ela é a realidade própria da narrativa, à parte da realidade externa de quem lê ou assiste.

 

FICHA TÉCNICA
Título Original: Walk the Line

Tempo de Duração: 132 minutos

Ano de Lançamento (EUA): 2005

Gênero: Drama, Biografia, Musical

Direção: James Mangold

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