A consolidação da democracia é um fenômeno tardio na América Latina na sua integração ao mundo ocidental. A guerra fria, na segunda metade do século XX, foi responsável por ter estimulado os Estados Unidos a protegerem as elites tradicionais e conservadoras, pois estavam receosos de que as lideranças populares levassem ao surgimento de novas Cubas, isto é, novos países no território americano satélites da URSS, isso no seu quintal. Esse receio reforçou uma forte concentração de renda no Continente, pois as elites protegidas não precisavam do mercado interno, e uma série de ditaduras militares. A queda do muro de Berlim marcou um novo período e um esboço de revolução burguesa tardia começa a se configurar. Muitos atores políticos da região demoraram a perceber as mudanças em curso e viverem como se ainda estivesse naquele contexto: o medo do comunismo e da democracia de massa.
O mundo pós-queda do muro de Berlim inicia um primeiro círculo de transformações preparada na fase da guerra fria, sobretudo com a criação da ONU, que consolidou os Estados Nacionais. A primavera democrática inicia no continente Latino-americano e se estende para a África, com a descolonização tardia, e chega ao Oriente Médio, com a primavera Árabe. Esse primeiro ciclo gerou um processo inédito de inclusão social, sobretudo na América Latina. Assistimos a chegada ao poder da primeira mulher, do primeiro índio e de Torneiro Mecânico, entre outros fatos inéditos na história regional. Alguns eram inimagináveis! As elites tradicionais, contudo, assistiam àquilo e nem sempre entenderam a novidade. O caso mais emblemático disso foi a Venezuela. Pertencente à OPEB, ela fez aventuras na economia, como a de recuperar um símbolo da guerra fria, Cuba, que havia perdido a proteção da União Soviética, e a asserção das massas à política.
Fato significativo é que as elites tradicionais venezuelanas ainda esperaram pela tradicional proteção americana para tirar Chaves do poder. Ensaiaram até um golpe. A nova ordem mundial que se iniciava, contudo, não recomendava atitude como aquela. A democracia veio para ser aprendida na prática: fortalecer as instituições. A ingenuidade, então foi as elites tradicionais fazerem uma greve política. Não participaram da primeira eleição da era Chaves, dando a ele um controle político inédito nos três poderes e tudo isso legitimado por uma eleição, elemento importante na regra do jogo democrático.
Esses atores tradicionais e conservadores estão aprendo as regras democráticas. Assistimos recentemente à inesperada derrota de Cristina Kirchner nas últimas eleições argentina e, na Venezuela, a queda de popularidade de Nicolás Maduro, onde as elites tradicionais aprenderam que democracia é participação, e o fazem de forma mais ativa na luta pelo poder. O caso de Cuba, tão ideologizado, é apenas a passagem de Cuba como dependente da União Soviética, depois da Venezuela, que vive uma crise pela queda do preço do petróleo, e agora com uma relação mais moderna com os Estados Unidos. Cuba representa mais um simbolismo da guerra fria e tem se adaptado para cada situação histórica da globalização, e não um farol, como apresentam setores da direita e da esquerda.
Estamos, do mesmo modo, assistindo à reação da oposição a Dilma com duas frentes de estratégias, até certo ponto inédita pela permanência no tempo: o impeachment ou a desestabilização.
Esses fatos mostram que a democracia, na América Latina, começa um novo círculo. Não é uma nova era, mas a continuação de um movimento que se iniciou com o final da guerra fria a partir da desmotivação dos Estados Unidos para proteger seu espaço geopolítico por ausência temporário de um adversário imperial.
Democracia só faz sentido numa sociedade competitiva, típica de uma sociedade de mercado. Estado de Direito e legitimidade só existem com a soberania popular. E, no povo, agora cidadão, está a base competitiva da sociedade, pois tanto fazem parte os pobres, empregados, como em ricos e empresários. A essência da política é a competição, a correlação de forças, como se diz em política. O que havia na América Latina era a conciliação entre as elites. A novidade com a chegada da democracia de massas é que a elite política tradicional e conservadora estão aprendendo que só a participação política pode trazer a consolidação democrática. E que o respeito às regras do jogo é a continuidade do pacto civilizatório que a democracia representa.
É da essência da democracia representativa a mediação dos partidos e dos movimentos sociais na competição por políticas públicas. Tanto o parlamentarismo de coalizão, como na Inglaterra, quanto o presidencialismo também de coalizão, como no Brasil, só terão sucesso na governabilidade quando os partidos políticos realmente representam a sociedade civil. A quantidade de partidos no Brasil mostra que esta é o desafio a enfrentar e esta crise do segundo governo Dilma vem reforçar essa realidade. Eduardo Cunha conseguiu seduzir a oposição da possibilidade de chegar fácil ao poder, como foi com Collor, e chegamos ao que chegamos.
Haja torcida para que cheguemos a um porto civilizatório para levar consigo a América Latina. Brasil e Argentina continuam sendo as lideranças políticas de uma América do Sul globalizada. Na Argentina está havendo alternância de poder, também na essência da democracia. Vamos em frente!