Conheci Ernesto Sabato em almoço dos muitos que Candido Mendes realizava, e com frequência, em sua cobertura da rua da Assembleia.
Discreto, calado, poucas palavras pude arrancar-lhe entre uma garfada e outra de um consistente cozido carioca. Sabato não era, presumi, uma figura viva, interessante. A sua sedução, deixou-a em livros consagrados pelos seus leitores. Não era, vaticinei, um bom exemplo de quem levasse com naturalidade a “vida literária”. Ao contrário, parecia a ela submeter-se com dificuldade. Deste escritor notável, guardo testemunhos de leituras, superficiais, uma, aplicadas, outras. Distingo alguns dos livros que deixaram marca nos meus precários exercícios intelectuais: “Antes do fim”, de 1998; “Sobre tumbas e heróis”, de1961;“O Túnel”, de1948 e, para fechar esse impertinente requisitório, “Espanha nos diários da minha velhice”, de2004.
Os ágapes em torno dos quais os homens (e naturalmente, as mulheres) de letras e artistas se encontram cumprem uma amena formalidade, imprescindível para que essas celebridades se mostrem e sejam vistas.
Os artistas — classificação genérica e imprecisa que hoje abarca pessoas famosas sem que se saiba exatamente porquê — são atores principais ou coadjuvantes nessas práticas sociais.
Categoria mais atraente corresponde aos “famosos”, figurantes extraídos de anonimato recente, projetados pela mídia — “Big brothers”, modelos, “influencers” de “blogs” celebrados, publicitários e “promoters” em geral — presenças indispensáveis entre outras personalidades igualmente distintas e famosas. São famosos por serem justamente famosos.
O pior da literatura ressuma da vida literária, esse calçadão da fama onde as vaidades e egoísmos asfixiam o talento.
No que fazem diferença o jogo da vida literária e as lides árduas da criação literária?
A primeira, faz-se nos coquetéis e nas vernissages e lançamentos de livros — e no recolhimento de amáveis sodalícios.
A segunda, a literatura em espécie, a construção do literário, faz-se pela disciplina intelectual de quem tem alguma ideia para transmitir — e pelo manuseio dos instrumentos para registrá-la, dá-lhe forma, ritmo e o tom da escrita e do texto. Processo complexo de produção, emissão e recepção da mensagem literária.
Entre intelectuais, ou os figurantes se elogiam mutuamente ou se insultam pelas costas. Entre eles os que mais criticam e os que mais elogiam escondem a frágil consistência da sua criatividade como escritores. De um modo geral, não ocorre que leiam o que outros escritores produzem, escrevem e publicam.. Dão-lhes “gelo” obsequioso… Elogiam-nos ou os criticam, mas não os leem.
Ataulfo de Paiva nunca perpetrou um livro enquanto viveu. O seu ineditismo literário não o impediu, entretanto, de tornar-se imortal na Academia Brasileira de Letras — e nome de rua, no Leblon… Osvaldo Orico, para Agripino Grieco, trazia quatro zeros nome e os “ imortais” da Casa De Machado eram zeros à esquerda…
Os críticos literários, espécie de leitores ativos de “orelhas” e resumos, dividem-se entre os que tudo elogiam e o que tudo depreciam.
Por precaução, nunca se expõem à crítica — por essa razão nunca escreveram ou publicaram nada que os comprometesse…
Essas simplórias cogitações das quais me ocupo, por reconhecida impertinência, à margem de tantas questões essenciais, sugerem estudo mais detido sobre a “conviviabilidade” literária, sobre a íntima relação travada entre intelectuais nos sodalícios e nos grêmios literários e em áreas contiguas ou distantes — até mesmo entre cientistas que, eles também, não fogem aos impulsos da vaidade e pretendem, por sua vez, modestamente ser acadêmicos e imortais.
Quem sabe, cairiam bem alguns exercícios de uma sociologia da vida literária?