Uma frase de José Martins Rodrigues recorrentemente citada por seu filho Roberto Martins Rodrigues me soa emblemática:
— Papai sempre me dizia, em política não existe jamais.
Fato. Se “jamais” não há em politica o que dizer de “impossível”? Impossível é um absurdo. É a falência da política e da diplomacia. A história nos mostra quão pragmática é a frase do sábio ZéMartins, como gostavam de tratá-lo seus correligionários. De Nixon na China a Prestes apoiando Getúlio Vargas em sua campanha pós-ditadura do Estado Novo temos extensa lista de fatos contundentes da polícia como disruptura. E olha que foi Vargas e sua política pro-Hitler quem deportou Olga Benário, mulher de Prestes, para o extermínio em campo de concentração nazista.
A Frente ampla de Carlos Lacerda trazendo para si JK e Jango nada mais foi que tradução explícita de que “jamais” é uma palavra que não existe em política. O próprio Obama, recentemente, surpreendeu o mundo com sua distensão em relação a Cuba, abrindo uma linha de diálogo e demonstrando isso em visita àquela país.
No caso de nossa província, o Ceará, temos o emblemático episódio da União pelo Ceará. E o que foi a União pelo Ceará? Foi uma frente ampla que tinha como missão expurgar do cenário qualquer ameaça de candidatura de esquerda com viés comunista. Ora, em 1962, o cone sul vivia um climax da guerra fria, do avanço da “ameaçada” comunista principalmente depois retumbante de Fidel Castro ao descer de Sierra Maestra e tomar a ilha.
O acirramento bipolar, o fracasso da Baía dos Porcos e a expansão de bandeiras “comunistas” como reforma agrária, fortalecimento dos sindicatos, eclosão de greves por todos os lados e extrema correlação de forças entre os militares e o Estado de Direito consolidavam no país o caldeirão de insegurança jurídica acirrado desde a renúncia do mitomaníaco presidente Jânio Quadros.
A União pelo Ceará foi uma frente ampla liderada por partidos hegemônicos, PSD e UDN contra a candidatura ao governo de Ceará com um ranço de esquerda. Ela foi sustentada pelo governador Parsifal Barroso que defendeu a candidatura de Virgílio Távora, da UDN, para a sua sucessão. Os motivos da decisão de Parsifal são muitos e todos estratégicos. Ele não morria de amores por Virgílio a quem havia derrotado em 1958. É bom lembrar que àquela época Virgílio já era visto pela imprensa do Ceará e mesmo pela respeitada revista O Cruzeiro como governador eleito. Virgílio perdeu com larga vantagem para Parsifal.
Parsifal defendeu e alavancou a candidatura de Távora permanecendo no Palácio da Luz até o último dia. Não se licenciou para pleitear mandato algum. Entregou o Estado com as contas superavitárias, grande estoque de grãos e meio Plameg andado.
Em seu livro, Tudo a declarar, Armando Falcão pleiteia para si a autoria da União pelo Ceará. Diz que Parsifal teria sido relutante ao ouvir dele, a ideia. Para Parsifal isso é mera ficção do seu correligionário. O fato é que sem Parsifal, não teríamos tido uma União pelo Ceará — uma grande distensão dos grupos políticos majoritários convergindo para uma candidatura única. Será que viveremos algo parecido agora?
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Parte II
Na primeira parte deste artigo, publicado na última quinta-feira, comentei o fato histórico chamado União pelo Ceará que colocou no mesmo palanque, históricos antagonistas eleitorais, o PSD de Armando Falcão e José Martins Rodrigues e a UDN de Paulo Sarasate e Virgílio Távora, dentre tantos outros próceres. O PSD é partido-base de Juscelino Kubitschek e liderava a coligação que o elegeu presidente da República tendo como vice João Goulart, do PTB. Depois de uma crise institucional e de tentativa de uma pedalada jurídica da oposição UDN, JK assumiu a presidência no dia 31 de janeiro de 1956. O então senador Parsifal Barroso foi nomeado ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, uma das pastas mais estratégicas naquela conjuntura onde greves pipocavam e onde JK implantaria o primeiro parque industrial brasileiro em parceria com capital internacional. E, não menos importante, construiria Brasília, em poucos mais de três anos de trabalho intenso, escasso capital e, ainda, contra a vontade do poderoso FMI com quem, àquela época, o novo governo brasileiro romperia relações. Viu-se, logo-logo, que JK tinha razão ao tomar a drástica decisão.
A visibilidade de Parsifal como ministro e interlocutor cotidiano de JK elevou-o ao plano nacional como fonte relevante de informação — um newsmaker. Sempre com seu estilo low profile e conciliador. Jango foi entrave à sua nomeação, logo contornada, depois de uma conversa daquele com os deputados Chico Monte e Carlos Jereissati, na paisagem dos pampas.
É essa conjuntura anterior que ajuda, em muito, na eleição de Parsifal ao governo do Ceará, em outubro de 1958, pela frente Oposições Coligadas — PSD, PTB e PRP, o pequeno Partido de Representação Popular. Derrotava, assim, o franco favorito Virgílio Távora, da UDN. Não foi um governo fácil, enfrentou muita intriga da oposição que tentou enredá-lo com o sucessor de JK, o peralta Jânio da Silva Quadros plantando notícias inclusive em jornais nacionais dentre os quais O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil.
Mas foi o próprio Parsifal, quem anos mais tarde, defenderia a União pelo Ceará, apoiando o seu desafeto anterior, Virgílio Távora. E, para assegurar sua posição e a eleição de VT, ficou no governo até o fim, dando posse ao seu sucessor. Anos mais, Parsifal revelaria que sua defesa do nome de Virgílio foi endossada por suas informações privilegiadas junto a setores militares dando conta de a ação militar de ruptura institucional seria inevitável. Portanto, um político respeitado e com patente militar no governo seria menos traumático para o Ceará. Lembremos que, naquele momento, o PTB já não estava aliado ao governador e, portanto, fora da composição da União.
Trazendo a ideia para os dias de hoje vem a pergunta: seria possível uma nova União pelo Ceará? Esse exercício meramente espiritual surgiu como provocação de uma dessas conversas de sábado à tarte com o jornalista Fernando Maia.
— Olhe, vem aí uma nova União pelo Ceará, disse ele, em um misto de sisudez e lacônica ironia.
Com o grau de contaminação das relações pessoais entre nossos lideres políticos algo dessa envergadura seria uma desmedida demonstração de desprendimento. Por outro lado, é bom lembrarmos que a história sempre se repete como farsa.
No entanto, para o autor dessas linhas foi prazeroso aceitar a provocação do bem informado decano do jornalismo político Fernando Maia. E meu prognóstico final é: em política não há jamais.