UMA DITADURA “CONSTITUCIONAL” [Os Planos e as Cartas da fraude]

As ditaduras não conseguem sobreviver sem a imagem de um inimigo interno e de ameaças externas. Da mesma forma, os ditadores e as coortes de sátrapas que os acompanham podem passar, sem leis e regulamentos que, à falta de cumplicidades cidadãs, deviam-lhe a imagem de legais e pir extensão — legítimas.

As ditaduras têm horror a serem vistas como — ditaduras…

0 nazismo (que na sua origem era um aglomerado “nacional socialista”, de trabalhadores) nasceu do Tratado de Versalhes, assim como o bolchevismo tem seu batismo de nascimento com as alianças mal sucedidas da Rússia czarista.

O “Estado Novo” traz a marca da fraude de cartas forjadas (carta Brandi e o Plano Cohen) e de influências indesejaveis. Foi assim em 1937, seria, mais uma vez, em 1964 e só o futuro nos dirá por quantas vezes teremos que repetir, ainda, esse ritual de falsas conjecturas e trágicas.

Primeiro, foram as “Cartas falsas” de Artur Bernardes com ofensas graves ao marechal Hermes da Fonseca. Desautorizadas e provada a sua falsificação sem nem assim foram desacreditadas. A segunda tentativa, em 1937, o Plano Cohen surgiu dos exercícios preliminares de golpista de um jovem capitão, Olympio Mourão Filho, com graves denúncias sobre um movimento comunista em organização. Feito general e marechal, subiria com uma coluna de “panzers” pelas estradas das Gerais até a avenida Rio Branco. Ali deixou amarrado por 25 longos anos — e temerários — o seu ginete de aço…em defesa da democracia.

Em 1955, surge uma denúncia sobre a organização de uma República Sindicalista, divulgada por uma revelação guardada em sigilo patriótico — a “Carta Brandi”, atribuída a um deputado argentino e veiculada por Carlos Lacerda.

“Esquerda” e “ direita” ou o que esses espasmos autoritários podiam significar na época, valeram-se da fraude, presente ao largo da nossa história imperial e republicana, para promover a desestabilização de uma incipiente democracia no Brasil. Tão incipiente são esses estratagemas golpistas que, ainda hoje, continuamos a dar ouvidos a futricadores de direita e de esquerda e neles acreditamos.

O totalitarismo alimenta-se, no Brasil, de boatos e rumores, revolvidos e enriquecidos pelas novas versões dos fatos e das suas mínimas circunstâncias.

Nunca fomos capazes de construir um arcabouço constitucional seguro para a edificação de uma democracia real e verdadeira.

As “cartas falsas” de Artur Bernardes (1921), o Plano Cohen (1937) e a Carta Brandi (1955) desacreditaram os ideais de democracia entre os brasileiros e abriram caminho livre para que vicejasse no país uma forma perversa, ainda que dissimulada, de pensamento autoritário. Dele continuamos a fazer instrumento e anteparo para a “defesa” de uma democracia frágil, baseada em leis e ordenamentos elaborados longe do povo e à sua revelia. As questões essenciais de direito, as lides animadas pela defesa do mérito, cederam lugar, como prática jurisdicional, à regra e aos procedimentos mínimos do processo.

Fizemo-nos escravos do “adjetivismo” da norma, sem que nela pretendêssemos encontrar as razões que a justificam e nomeiam como princípios e preceitos a serem respeitados.

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.