UMA CHAVE ESSENCIAL, por Alexandre Aragão de Albuquerque

Neste tempo nebuloso e raquítico de profundidade intelectual por parte de integrantes do governo federal, em que o nome de Deus está sendo citado disciplinadamente a cada discurso ou manifestação pública do presidente brasileiro, que se autoproclama cristão, achamos por bem trazer em luz neste nosso artigo um pequeno recorte da doutrina social cristã sobre o trabalho.
Vamos encontrar em João Paulo II, na encíclica LABOREM EXERCENS, a veemente afirmação de que o trabalho humano é uma chave, provavelmente a chave essencial, de toda a questão social. E a solução da questão social, que continuamente se reapresenta e se vai tornando cada vez mais complexa, deve ser buscada no sentido de tornar a vida de todas as pessoas mais humana e mais feliz. Sendo assim, essa chave que é o trabalho humano assume uma importância fundamental e decisiva.
Com a palavra trabalho indica-se a atividade realizada pelos humanos, tanto manual como intelectual, em virtude da sua humanidade. É uma das características que distinguem os humanos do resto da Natureza: somente humanos têm capacidade para o trabalho e o realizam preenchendo ao mesmo tempo com ele a sua existência sobre a terra.

Humanos são seres dotados de subjetividade, capazes de agir de maneira racional e refletida, capazes de decidir de si mesmos e tendentes a realizarem-se a si mesmos. É como pessoa que o ser humano é sujeito do trabalho. Por ser executado por uma pessoa, o trabalho comporta em si um caráter particular, a marca de uma pessoa que opera numa comunidade de pessoas e tal marca determina a qualificação interior do mesmo trabalho, constituindo-se a sua própria natureza. Disso emerge uma conclusão fundamental de implicação ética: o trabalho está em função do bem humano e não os humanos em função do trabalho. Esse referencial ético obriga-nos a entender que diversos trabalhos realizados pelas pessoas podem ter um maior ou menor valor objetivo, mas é preciso evidenciar que cada um deles deve ser medido pelo padrão da dignidade do sujeito humano que o executa.

Ainda, o trabalho constitui o fundamento sobre o qual se edifica a vida familiar, que é um direito inalienável de toda pessoa humana. Ele é a condição que torna possível a fundação de uma família, uma vez que a família exige os meios de uma subsistência digna que as pessoas obtêm normalmente mediante o trabalho. Com efeito, a família é, ao mesmo tempo, uma comunidade tornada possível pelo trabalho e a primeira escola interna de trabalho para todos os seus membros.

Para concluir, é imprescindível evidenciar uma compreensão importantíssima da relação entre capital e trabalho. Tudo o que está contido no conceito de capital é apenas um conjunto de coisas, ao passo que o ser humano, como sujeito do trabalho e independentemente do trabalho que realiza, ele e somente ele é uma pessoa. Portanto, em todo processo de produção é preciso garantir o primado da pessoa diante das coisas materiais, garantir a primazia do trabalho sobre do capital.

Intimamente ligado a este primado do Trabalho sobre o Capital, naquilo que tange o direito à propriedade privada, o Ensinamento Social Cristão traz em luz uma compreensão milenar: Deus destinou a terra e TUDO O QUE ELA CONTÉM para o uso de todos os humanos e todos os povos. Por conseguinte, os bens criados devem, segundo justo critério, servir a todos: quaisquer que sejam as formas de propriedade, deve-se levar em consideração esta destinação universal dos bens. Como bem o afirmou João Paulo II, “sobre toda a propriedade privada pesa uma hipoteca social”. A propriedade existe para cumprir sua função social de destinação universal dos bens produzidos. A tradição cristã nunca defendeu tal direito de propriedade como algo absoluto e intocável; pelo contrário, sempre o entendeu no contexto mais vasto do direito comum de todos a utilizarem os bens da criação inteira: o direito à propriedade privada está subordinado ao direito ao uso comum, subordinado à destinação universal dos bens.
Enfim, passados quatro meses desse governo esdrúxulo que acabou com o Ministério do Trabalho, que ratificou o desmonte da legislação trabalhista perpetrada pelo governo Temer, que retirou do cálculo de atualização do salário mínimo os ganhos de produtividade da economia brasileira, que está promovendo uma reforma da previdência que penaliza impiedosamente os trabalhadores brasileiros a partir dos mais pobres, que está incentivando e autorizando as propriedades rurais se armarem até os dentes, fica a pergunta: finalmente qual é o Deus em que ele acredita? Será mesmo o Deus cristão que proclama a primazia do Trabalho sobre o Capital? Que destinou os bens da Terra a todos os humanos? Ou será outro deus, um deus das armas, do incentivo à violência, do preconceito racial, da mentira e da desfaçatez?

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