Quando a pandemia surgiu e começou a bater forte, divulguei um vídeo prontificando-me a fazer atendimento terapêutico solidário online. Sabia que muitos problemas emocionais viriam à tona e eu poderia contribuir na eliminação de muitos deles. Já atendi várias pessoas. Há casos que mexem com a nossa sensibilidade. O caso de Raquel, nome fictício, foi o mais emblemático. Ela estava inconformada com a perda repentina do seu pai que morreu de COVID-19, distante das atenções dos familiares. O pior, segundo ela, aconteceu no funeral. Poucas pessoas da família e todos muito distantes, obedecendo rigorosamente os protocolos sanitários. O medo de contaminação era devastador.
O desespero de Raquel é similar ao de milhões de pessoas que perdem avós, pais, filhos, irmãos e amigos em todas as partes do mundo em situações idênticas ou mais graves, como o caso de Manaus que os pacientes morrem sem assistência, asfixiados, por falta de oxigênio.
A dor certamente varia, dependendo da cultura, mas é sempre uma dor absurda. Para o povo latino, que tem o coração à flor da pele, penso que o sofrimento é quase irresistível.
Durante a terapia, Raquel chorou, convulsivamente, lamentando a inexistência de um convívio próximo com seu pai, dando-lhe mais atenção, respeito e carinho.
Lamentou, também, o voto dado ao “Presidente” que desconhece a letalidade do coronavirus e nega as medidas preventivas recomendadas pelas autoridades sanitárias.
Ressignificamos algumas passagens dolorosas referentes ao relacionamento conflituoso entre ela e seu pai. Raquel não se perdoa de ter confrontado seu genitor em algumas situações. Relativizei, mostrando que o mal não está em confrontar / discordar, mas na forma de como fazê-lo.
O século XXI clama que as relações sociais, em todos os grupos sejam permeadas de inteligência, civilidade e humanismo.
“Quando você trata duas pessoas de igual forma, pelo menos uma delas você está tratando mal”; o saudoso Milton Erickson deixa esse paradigma para a eficácia das comunicações entre os homens.
Este texto tem o fito de provocar uma reflexão sobre os relacionamentos interpessoais, sobretudo com familiares. Se Raquel tivesse essa orientação, suas lágrimas seriam bem menos doídas; faz sentido pra você?
Somos passageiros de um grande bonde. De vez em quando desce um, sem tempo de despedir-se e não o veremos mais.
Ele partiu! Ficou um vazio … uma dor insuportável na alma, Raquel falou chorando.