Todos os anos, ao fim de mais uma jornada, reflito sobre a condição humana, sobretudo sobre a minha condição. O que aprendi? O que fiz com o que sabia? Como vivi sem o que precisava? O que fiz das minhas sobras? Coisas assim que dimensionam minha condição de ser vivente neste planeta.
A cada ano que passa, desapego mais das coisas fúteis e materialmente substituíveis. Cada vez mais revejo conceitos e paradigmas mentais apreendidos de um passado colonial, branco, cristão, eurocêntrico, ocidental, único. Rever conceitos não é simplesmente negá-los, é repensá-los em suas pretensas verdades absolutas. Nesse sentido, precisei me despir da minha condição de colonizado, voltar a ser originário, como uma criança indígena, que aprende sobre as coisas sem se apossar delas, sem acumular direitos ou bens que alguém os teve antes, sem explicar como as conseguiu. Lembro de cenas de filmes que mostram a arrogância do colonizador. “Quantos mais virão para cá e por que?”, perguntou o chefe indígena a Colombo. E ele respondeu: “Muitos, tantos quantas folhas têm nessas árvores”. E continuou, “Vamos trazer a saúde, a religião, as ferramentas…” E o chefe respondia, para cada coisa que Colombo dizia, “Nós já temos nosso Deus, nossa cura e vivemos nesta terra desde os primórdios”. Depois deu as costas e foi embora.
Cena semelhante vi na Série ‘Inferno sobre rodas’ ou sobre trilhos, depende da tradução. A série representa a conquista do oeste e a construção da estrada de ferro que vai cortar os Estados Unidos ao meio. Para isso, teriam que fazer pontes, vencer montanhas e remover obstáculos. Um dos obstáculos era uma tribo indígena que estava no meio do caminho dos colonizadores que expandiam a estrada de ferro e iriam passar pelas terras, alterando toda a sua fisionomia. E o diálogo se deu entre o chefe da tribo, um senador e um empresário. “Iremos dar a vocês uma parte dessas terras mais ao norte”, disse o senador. “Mas essa terra já é nossa”, retrucou o índio. “Não, essa terra é do governo dos Estados Unidos”, insistiu o representante do governo. Sem solução, as duas partes se retiraram e o que veio depois foi o massacre de milhares de índios.
Já ouvi de alguns adeptos do progresso a qualquer custo que o sacrifício é pelo bem comum. Como ouvi de outros, que estão entre os devastados, que é possível construir novas formas de vivência respeitando a natureza e os seres vivos que dela dependem. A natureza respondeu agora na Bahia. O fluxo do Rio que corta Itabuna, cidade no sul do estado, foi alterado com o desmatamento, as construções irregulares e a poluição ao longo de muitas cidades por onde o rio passa. O resultado foi a trágica cheia com mortes e destruição pelo caminho do rio.
A exploração da celulose em Minas Gerais irá provocar a seca dos lençóis freáticos e quem sabe devastação igual causada pelo desequilíbrio em curso. Devasta-se a floresta nativa para plantar eucalipto, de onde se extrairá o papel. Em todo o estado de Minas as florestas de eucalipto substituem a flora nativa. Algumas cidades já têm problemas de abastecimento de água, em função da escassez de água no subsolo. As queimadas na Amazônia e a desertificação galopante no semiárido estão afetando a vida de milhões de pessoas. E quem poderia mostrar caminhos alternativos pensados em conjunto com a sociedade é o governo federal, que nada faz para solucionar os problemas existentes e os que virão. Não olhe para cima. Não olhe para os lados. Não olhe para a vida, essas são as frases que estão na pauta deste governo.
E eu, que não costumo vestir vendas nos olhos, bloqueio nos ouvidos e mordaça na boca, lanço meu grito para quem quiser sentir. Basta! Estou em guerra contra quem fere o meu direito universal de existir.