TRÍPTICO

O primeiro Duarte da família nasceu no mês de dezembro, dois dias antes do Natal de 1902. Além de ser o primeiro Duarte, era também o primeiro filho de Francisco e Maria Augusta, meus avós paternos. Nessa época Portugal ainda era governado por um rei, Carlos I, neto de Dom Pedro I (Dom Pedro IV em Portugal), e o país vivia tempos turbulentos, com uma profunda crise econômica e institucional, o que gerava crescentes embates entre monarquistas e republicanos.

 

O primeiro Duarte, infelizmente, viveu menos de três anos: morreu em 1905, deixando o irmão Manuel, de pouco mais de um ano de idade, com a responsabilidade de ser, a partir daquele momento, o “filho mais velho” da família.

 

O segundo Duarte nasceu em 1909, exatamente um ano após o assassinato do rei Carlos I em praça pública, e um ano antes do fim traumático da monarquia constitucional portuguesa, substituída que foi pelo regime republicano em 1910; os tempos, vê-se, continuavam turbulentos.

 

O batismo com o mesmo nome do irmão morto viera da determinação de seus pais, que viram naquele pequeno varão uma oportunidade de homenagear o primogênito precocemente desaparecido, um hábito comum entre as famílias portuguesas daquela época.

 

Quando de sua chegada ao mundo, o segundo Duarte encontrou, além da companhia do irmão Manuel, a presença da irmã Isaura, que nascera dois anos antes dele, em 1907. Depois vieram novas irmãs e irmãos, entre eles José, meu pai, que nasceu em 1916, ano em que a Alemanha, no contexto da Primeira Grande Guerra Mundial, declarou guerra a Portugal; os tempos, como sempre, seguiam turbulentos.

 

A despeito das aparentemente eternas turbulências – ou justamente por conta delas -, um jovem segundo Duarte resolveu tentar a vida em outras paragens, no caso, Moçambique, colônia portuguesa desde os tempos de Vasco da Gama, localizada no sudeste do continente africano.

 

Foi uma decisão definitiva: apesar de manterem e cultivarem o respeito e o grande amor fraternal que os unia, Duarte nunca mais voltaria a se encontrar presencialmente com José, cujo destino estaria irremediavelmente ligado ao Brasil, mais precisamente Fortaleza, para onde viria no início da Segunda Grande Guerra Mundial.

 

O tempo passou e, décadas depois, nasceu o terceiro Duarte, eu mesmo, cujo nome registra um ato que é um misto de saudade e homenagem afetiva que meu pai, José, prestou ao irmão distante.

 

Como epílogo, o segundo Duarte, ao contrário do primeiro, viveu bastante, sendo mesmo o mais longevo dos filhos de Francisco e Maria Augusta; chegada a velhice, mas guardada ainda alguma vitalidade, decidiu retornar para sua terra natal, a tranquila e bucólica Angeja, freguesia do conselho de Albergaria-a-Velha, Portugal, onde veio a falecer nos derradeiros dias do século XX, aos 91 anos de idade.

Duarte Dias

Cineasta, roteirista, curador audiovisual, fotógrafo e compositor, Duarte Dias foi premiado em vários festivais de música no Ceará, tendo lançado seu primeiro álbum autoral, "Jardim do Invento", em fevereiro de 2019. Com premiações em festivais de cinema no Brasil e no exterior, ocupa a cadeira de n° 36 da Academia Cearense de Cinema. Idealizador e diretor geral do FestFilmes - Festival do Audiovisual Luso Afro Brasileiro, e ex Coordenador de Política Audiovisual da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (2016-2019), desempenha, desde 2015, as funções de programador e curador do Cinema do Cineteatro São Luiz e Assessor de Políticas Culturais do Instituto Dragão do Mar (IDM), vinculado a Secult-CE.

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