Quando a CONMEBOL anunciou no dia 31 de maio de 2021 que a Copa América de seleções seria realizada no Brasil, depois das desistências de Colômbia e Argentina(no primeiro caso devido ao caos político vivido no país e no segundo em razão da alta da contaminação do novo coronavírus) o mundo do esporte foi pego de surpresa.Como um país com a pandemia descontrolada resultando em milhares de pessoas morrendo todos os diais pela Covid-19, com hospitais lotados e poucos leitos de UTI com uma vacinação que anda a passos lentos pode ser a sede de uma competição futebolística regional? Esta pertinente pergunta fez com que patrocinadores inveterados da Seleção Brasileira desistissem de emprestar seu nome ao evento e estados como Pernambuco, Rio grande do Sul e Rio Grande do Norte e Minas Gerais vetassem qualquer proposta de receber os jogos.
A resposta pura e simples vem dos interesses comerciais de entidades, empresas e políticos. A CONMEBOL, a CBF, e as empresas que patrocinam a atual edição da copa américa não abriram mão dos seus lucros, evitando optar pelo caminho mais humano e sensato de cancelar ou adiar o evento até uma melhora no cenário pandêmico. Pedir consciência pra essa turma é o mesmo que esperar algo de benéfico ao Brasil do governo Bolsonaro, que também busca ganhos políticos com a realização da competição, que se mostrou bastante ágil ao aceitar a proposta da CONMEBOL, diferente do que fez com a Pfizer em 2020.O SBT, emissora que transmite os jogos da Seleção brasileira no torneio, logo se prontificou a defender a copa inoportuna alegando hipocrisia daqueles que falam contra o evento regional de seleções e aceitam sem questionar a realização de campeonatos nacionais entre clubes no Brasil, os defensores do governo no Senado seguiram por essa linha de argumentação, assim como a tropa bolsonarista nas redes sociais.
Historicamente o futebol já foi usado várias vezes como arma política para atender determinados interesseses de gente poderosa.A ditadura militar Argentina usou a Copa do Mundo de 1978 como forma de propaganda de seu regime no país, assim fez Médici e seu governo ditatorial no Brasil em 1970, nos dois casos a propaganda oficial buscava a todo custo esconder a tenebrosa realidade dos assassinatos, torturas e cerceamento das liberdades civis promovidas pelos terroristas de Estado.Além disso, é fácil notar que o futebol hoje é um negócio que proporciona fortunas a alguns conglomerados empresariais que lutam ano após ano para sobreviver na selva de pedra do mercado esportivo global.Interroper competições e impedir a publicidade, mesmo sendo o mais razoável a ser feito, não é algo que está no radar destes gulosos.
Por outro lado, o esporte bretão já foi expoente de conscientização política e bons exemplos. A Copa do Mundo de 1986 no México foi palco de um eterno Argentina X Inglaterra no estádio Azteca, duas seleções que alimentavam uma rivalidade que se inflamava por uma fator extra campo, a guerra entre os dois países pelas Ilhas Malvinas em 1982 que teve como fim uma humilhante derrota albiceleste.No campo, porém, Diego Maradona e seus companheiros ganharam o jogo e definitivamente melhoraram o moral de um povo doído por um conflito estúpido. A redemocratização do país sul-americano naquele momento se fortaleceu muito com a sintomática vitória no campo, contra os rivais vencedores do conflito armado. Em 2005, o atacante Didier Drogba foi além; no vestiário após a conquista da inédita vaga na copa do mundo pela Costa do Marfim, o artilheiro fez o seu maior bonito gol ao emitir um discurso em rede nacional pedindo o fim da guerra civil que castigava seu povo, pregando a reconciliação e a paz.Dias depois o governo e os rebeldes anunciaram um cessar fogo.
Quando o futebol é usado como meio de satisfação de interesses de poderosos irresponsáveis, perde seu status de esporte de massa,democrático e popular.Definitivamente não representa o esporte louvado por autores tão díspares como o conservador Nelson Rodrigues,defensor do regime militar brasileiro e anti-comunista ferrenho, inesquecível cronista esportivo que soube apreender na bola e na chuteira certas características do espírito do povo brasileiro, e o socialista Eduardo Galeano, apoiador das revoluções do terceiro mundo e admirador de Fidel Castro, que teorizava a peleja como uma metáfora para a vida moderna, marcada por luta, desencantamento, anomia e orgasmos esporádicos de alegrias, como um gol que leva a uma vitória sofrida dentro das quatro linhas.O fã consciente de futebol sabe bem que o jogo é socialmente poderoso, e pode ser veículo tanto de mensagens positivas para o mundo como de barbaridades empurradas goela a baixo pelos donos do poder do momento. A bola, neste último caso, é cruelmente traída.