SOBRE A MORTE DOS CUPINS NA ERA DIGITAL

Sabe-se que os cupins, xilófagos que são, gostam preferencialmente de madeira, que é de onde extraem sua seiva nutricional, e os livros, impressos em papel advindo da celulose existente nas células das plantas, representam o alimento processado e de fácil deglutição por esses insetos isóperos.

Quanto mais velho o livro, mais processado ele está para servir de alimento, daí ficar constatada a preferência pelos clássicos que costumam ficar mais tempo nas prateleiras das bibliotecas por natural sobrevivência à decomposição amnésica das obras menos importantes que desaparecem e escasseiam mais cedo por falta de novas edições, tal como as músicas de ocasião e sem maior qualidade.

Assim, ser devorado pelos cupins é sinal de qualidade, e de modo que não se deprimam os escritores ao verem suas obras desaparecerem, impressas em poucos exemplares de livros transformadas em pó (explicação pseudocientífica que serve de consolo a todos nós, escritores de “worse-seller”).    

Mas, na sociedade do capital, que promove o aquecimento global e os incêndios florestais, açulados pelos criminosos da devastação que ateiam fogo à mata seca e potencializam a destruição das florestas proporcionadas pela insanidade de um sistema irracional de produção dos bens de consumo, os cupins veem apreensivos a diminuição de sua população, mas, também, pelo cada vez menor uso do papel, grande reserva alimentícia de suas populações, e pelo abandono do registro memorial da palavra impressa em papel, substituída pelo registro eletrônico.

Como advogado via sempre as prateleiras das secretarias forenses abarrotadas de processos que faziam a festa dos cupins e de muitos criminosos que viam as suas denúncias e provas processuais serem devastadas pelos solidários insetos.

Hoje as secretarias forenses guardam tudo nos computadores e os fóruns estão vazios de papeis e gente, porque tudo se faz pelo tal do “home work” eletrônico, de que se aproveitam os juízes para se livrarem do assédio pessoal invariavelmente rebelde de advogados de causas perdidas. Reina a solidão nos prédios forenses transformados em elefantes brancos.  

Pena, para esses seres microscópicos, que por assim serem, não possam fazer passeatas e aglutinar multidões em protesto contra a fome e a miséria de suas populações, tal como os humanos, diante do que eles consideram como avanço ecologicamente errático da ciência tornado possível pelo advento da microeletrônica da vida social.  

Computadores, celulares (sem celulose, uma lástima, dizem eles) robôs, televisões, dinheiro eletrônico cujas somas que se traduzem em números frios (sem cheque ou cédulas em papel) demonstrando a sua abstrata composição, caixa eletrônico, comunicação instantânea via satélite com possibilidade de se fazer uma moqueca baiana sem os antigos livros de receitas ou um simples coquetel molotov, emails substituindo as sentimentais cartas impressas que registravam para sempre em papel redigido de próprio punho a paixão dos enamorados, etc., etc., etc., tudo isso conspira contra o interesse desses insetos que dizem terem sobrevivido até mesmo ao meteoro que destruiu a vida vegetal e animal no Planeta há alguns milhões de anos… Mas que estão agora ameaçados pela imbatível era digital.            

Se a eles fosse possível, se juntariam e portariam cartazes nas suas passeatas, tal como os humanos fariam se vivessem numa sociedade consciente de si mesma, com as seguintes palavras de ordem: “todos em defesa da vida, das livrarias e bibliotecas!!!”  

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;