Slow West: E a sólida envergadura do western contemporâneo, por Daniel Araújo

O cinema tem, dentre tantos outros traços característicos, a brilhante marca de ser uma arte que se eleva pelo seu fator surpresa. Estar diante de um filme pode ser uma atividade de rotina, lazer. Mas igualmente ser uma experiência de rico apuro na nossa acuidade espectatorial seja no início, no meio ou fim da experiência fílmica. Esse é exatamente um convite que uma obra como “Slow West”* (no Brasil intitulado aleatoriamente de “Oeste sem Lei”) maravilhosamente nos propõe.

O filme acompanha a jornada de Jay Cavendish (Kodi Smit-McPhee), um jovem de 16 anos que decide atravessar o Oeste dos Estados Unidos em 1870 na tentativa de encontrar Rose Ross (Caren Pistorius), uma fugitiva por quem ele se apaixona e acredita ser o amor da sua vida. Ao lado do caçador de recompensas Silas Selleck (Michael Fassbender), o rapaz enfrentará uma caminhada arriscadíssima por uma América em transformação.

Interessante notarmos como o diretor John Mclean utilizou exatamente esses conceitos das mudanças que o século XX traria a uma nação como os Estados Unidos, assim como trouxe para tantas Nações daquele período. Portanto, sim, estamos diante de um filme de gênero clássico como o western, mas que se desenvolve sob uma roupagem muito sofisticada do cinema contemporâneo. Ele é sofisticado, ágil e estilizado.

Em linhas gerais a solidez do longa emerge do seu roteiro enxuto baseado na ação e também dos seus precisos aspectos técnicos como a estonteante fotografia de Robbie Ryan e a marcante música original de Jed Kurzel. Apesar de ser um faroeste com todos os seus códigos característicos como os cavalos, os pistoleiros e as grandes paisagens no deserto, o filme tira sua potência igualmente da mescla nas suas variações tonais em gênero.

Temos a ação contrabalanceada com a comédia, inicialmente. E aqui, especificamente é que Mcklean mostra todo seu domínio enquanto realizador. Suas decisões são certeiras e em nenhum momento sentimo-nos desorientados em relação às decisões que ele toma para a obra. Ao longo do seu primeiro ato entendemos o quanto o filme é marcado pelo índice da morte e da violência. Sempre com algum grafismo mais evidente e um senso de imprevisibilidade que a dota de um dinamismo muito bem-vindo.

A fotografia suavemente colorida e luminosa de Robbie Ryan é um dos pontos fortes do filme. (Divulgação)

E partindo para seus segundo e terceiro atos, o filme se ramifica um pouco mais na construção dos laços entre Jay e Silas bem como na inserção de alguns outros personagens. Figuras essas que possuem, cada qual a se modo, um importante papel na construção do todo que a obra é. Interessante isso quando vemos a sequência de um grupo de homens negros reunidos no meio de uma estrada e ensaiando o que seria o início da cultura do blues norte-americano em sua raiz.

Tal cena dura no máximo 2 minutos mas é de uma vitalidade e perspectiva brilhantes. Uma vez que Mcklean divide uma percepção pouco explorada no cinema de gênero. Intertextualidade. Essa é uma boa palavra que define o longa na sua natureza referencial. Estamos diante de western, mas diferentemente de trabalhos de ordem genérica como Sete Homens e um Destino (2016), por exemplo, aqui a originalidade da narrativa já vista se complementa com a força de um trabalho iminentemente autoral.

Parte dessa reflexão sobre autoria nos leva aqui a um importantíssimo parêntese. É preciso reconhecermos o distinto trabalho que a produtora norte-americana A24 vem realizando ao longo dos últimos seis anos. Sua lista de filmes reúne trabalhos como Hereditário (2018), O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), Projeto Flórida (2017), Bom Comportamento (2017), Moonligth (2016), entre tantos outros filmes que, de diferentes modos, têm conseguido trazer novas abordagens para tanto para o cinema de gênero quanto para títulos de caráter mais independente. A independência de todos esses longas, à propósito, é o denominador comum que liga os potentes projetos dessa promissora produtora.

Voltando à Slow West, podemos concluir que toda sua violência estilizada assim como suas situações cômico- dramáticas são quase uma prova do quanto a cinefilia pode agregar ao fazer cinematográfico. Uma vez que facilmente vemos nele partes de filmes como “A Morte anda a Cavalo” (1967) “, “O Vingador Silencioso (1968)” ou “Onde os Fracos não tem Vez” (2007). Essa é uma troca que sempre enriquece a experiência do cinema, seja para quem o realiza ou se dá ao prazer de o apreciar.


FICHA TÉCNICA

Título Original: Slow West

Tempo de Duração: 84 minutos

Ano de Lançamento (Nova Zelândia): 2015

Gênero:  Western, Comédia

Direção: John Mclean

Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.

Mais do autor

Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.