O texto de Paulo Elpídio, “O Apurado Senso Crítico do Cupim”, é uma sátira brilhante que transforma esses pequenos destruidores em personagens com um senso estético tão refinado que nem os clássicos lhes escapam. Os cupins tornam-se uma engenhosa metáfora para críticos literários vorazes, que se alimentam seletivamente das melhores obras.
O tema inspirou uma série de textos que, para leitores apaixonados como eu, se transformaram em uma experiência rica e cheia de reflexões.
Osvaldo Euclides de Araújo, de uma forma bem-humorada e sincera, reflete sobre uma das angústias mais comuns para os escritores: a ausência de retorno. O silêncio dos leitores, revela o desejo profundo de conexão que todo autor deseja ter com seu público. A indiferença pode ser mais dolorosa que o fracasso comercial. É como se os livros, ao ficarem ali “quietinhos” na estante, aguardassem ansiosos por serem lidos, assim como o autor aguarda por sinais de vida vindos do outro lado da página.
A conclusão, irônica e esperta, transforma essa frustração aparente em vitória: afinal, o escritor tem “seguidores” e “críticos” aos milhares, mesmo que sejam os cupins e traças que devoram suas obras silenciosamente. Talvez esses “críticos naturais” sejam os únicos a reconhecer, em sua quietude, o valor que outros leitores ainda não descobriram.
Renata Moreira da Rocha capta, com grande sensibilidade, o desabafo desse autor. Em seu texto, nos faz refletir sobre como, em um mundo que valoriza mais a superficialidade das selfies do que o conteúdo profundo, o desafio para os escritores é persistir. Afinal, como bem destacado, a missão de um autor é criar e expressar, enquanto as forças do mercado lidam com a comercialização. Essa separação entre o ato criativo e as demandas do mercado editorial é um chamado para que os autores continuem escrevendo, confiantes de que, em algum momento, suas palavras encontrarão os leitores certos.
Em “Garrafas ao Mar”, José Augusto Moita expressa, com sagacidade e ironia, os desafios enfrentados por aqueles que se aventuram na seara literária, destacando os verdadeiros “inimigos” dos livros: o mau leitor e o consumidor negligente. Esses, mesmo sem roerem as páginas fisicamente como os cupins, devoram a obra ao não a valorizarem. A comparação com a mitologia grega, em que os livros esquecidos nas prateleiras são como vítimas de tortura eterna, é particularmente poderosa e reflete a frustração de muitos autores ao verem suas criações ignoradas.
O toque final de humor, comparando escritores lançando suas garrafas ao mar com possíveis poluidores do futuro, encerra de forma leve e irônica essa reflexão sobre a escrita, os leitores e a eternidade dos livros.
Já Pedro Gurjão combina reflexões sobre o mundo literário com uma pitada de humor irônico e uma crítica sutil ao mercado editorial. A metáfora dos cupins como críticos literários seletivos, que devoram apenas o melhor da literatura, ilustra astutamente como, em um cenário onde há “mais escritores que leitores”, o reconhecimento autêntico e o retorno do público se tornam raridades. O autor brinca com essa realidade de maneira elegante, ao mesmo tempo em que expõe a dor da indiferença, que pesa mais do que a ausência de vendas.
O toque de solidariedade aos autores que não vendem é especialmente interessante, como um chamado coletivo para encarar com bom humor o destino “arrumadinho” e “quietinho” dos livros não lidos. Ao mencionar as iniciativas para revigorar o mercado editorial, o texto mostra que, embora o cenário seja desafiador, a arte e a literatura sempre encontram maneiras de se reinventar.
A conclusão, com o conselho para “descupinizar a estante”, fecha com chave de ouro: uma lembrança sútil de que, em meio à crítica e à autoironia, ainda há espaço para proteger as preciosidades literárias de eventuais ataques — literais ou metafóricos!
Ao ler esses inspiradores textos, senti o desejo, ainda que ousado por ser leitora e não escritora, de participar do diálogo, destacando o papel e os sentimentos do leitor.
Como leitora apaixonada, se meu tempo nesta vida não fosse limitado, jamais deixaria um livro “juntinho, arrumadinho e quietinho” na estante, como os de Osvaldo. Nenhuma obra ficaria ignorada.
Ao ler um livro sinto-me parceira do escritor. Meu papel é uma espécie de coautoria emocional. O autor escreve as palavras, mas eu, como leitora, acrescento uma dimensão única ao interpretá-las, sentir suas nuances e completá-las com minha própria perspectiva. A leitura é um processo colaborativo, no qual o verdadeiro significado de uma obra só se revela quando ela é lida e vivenciada. Ler vai além de absorver palavras — é um encontro profundo entre escritor e leitor. É nesse encontro que o livro se torna completo.
Mesmo que o escritor tenha apenas um único leitor, sua obra está viva. Esse dinamismo significa que ela não está finalizada, pois, a cada novo leitor, um novo encontro, uma nova interpretação e uma nova vivência reiniciam o ciclo.
O leitor, talvez o maior privilegiado, faz encontros espetaculares, descobre novas emoções, vive amores, lutos e injustiças. Ele recorda, julga e, ao mesmo tempo, aprende a não julgar. No enlevo da leitura, não precisa questionar o sentido da vida — ele está ali, literalmente, em suas mãos.
Baudelaire, em seu poema Embriagai-vos, nos convida: “Embriagai-vos sem trégua… de vinho, de poesia ou de virtude, a vosso gosto”. Eu escolho embriagar-me de livros. Essa embriaguez me dá forças para suportar “o horrível fardo do tempo, que nos esmaga os ombros e nos inclina para a terra”, como diz o poeta— o absurdo que nos rodeia, a falta de bondade, o cúmulo das injustiças e a ignorância sobre o sentido da nossa existência.
Como contagiar o outro com o prazer da leitura? Nos dias de hoje, em meio a tudo que a internet nos oferece, não faltam distrações: uma enxurrada de imagens, interpretações prontas do mundo, e uma avalanche de informações tão rápidas que não deixam espaço para reflexão ou aprendizado.
O tempo passa como se estivéssemos anestesiados. Chico César em sua música Estado de Poesia diz “É belo vês o amor sem anestesia/ dói de bom, arde de doce/ queima, acalma, mata, cria….”
A vida sem anestesia, por mais que doa, é a única que realmente nos permite sentir os momentos doces, calmos e verdadeiramente vividos. E é isso que a leitura oferece — uma imersão completa, sem atalhos, que nos desperta e nos faz sentir a profundidade de cada instante.
Adoro a genialidade de uma frase perfeita:
“Não há uma coisa mais triste que a indiferença à leitura, porque a indiferença é a própria ignorância em seu estado mais profundo”
William Faulkner
* Mônica Moreira da Rocha é servidora pública aposentada.