O sistema tradicional de formação da opinião pública tem feito a cabeça dos brasileiros com impressionante sintonia, formando facilmente consensos. Nunca trata nem discute os verdadeiros problemas do país. Apenas entretém e distrai a sua audiência, levando-a a colocar sua atenção e sua reflexão em assuntos rasos, irrelevantes. Pergunte-se aos brasileiros qual ou quais são os principais problemas do Brasil. Oito em cada dez brasileiros são capazes de culpar “os políticos” ou “os políticos profissionais” ou “o jogo sujo da política”, baseados apenas em noticinhas rápidas e comentários sutis dos formadores de opinião. O foco crítico é apontado para o Parlamento, que tem suas atividades levadas ao desprestígio, ao desprezo, ao desrespeito e ao ridículo, e a população adere – num ato que se pode dizer que equivale a dar um tiro no próprio pé. Os representantes escolhidos pelo povo são reduzidos a conceitos como corrupção, preguiça, oportunismo, traição etc.
O Poder Legislativo (pelo menos em nível de Câmara Federal e Senado) é um exemplo de abertura e transparência, quando comparado ao hermetismo e à opacidade dos outros dois. Esses dois organismos (Senado e Câmara) são abertos, não têm segredos, a imprensa tem acesso a tudo. E o cidadão e suas organizações representativas tudo podem saber e acessar. O Poder Judiciário é um caso à parte. Mas, Judiciário e Legislativo custam muito pouco em dinheiro ao país, dadas a complexidade, a dimensão e o estágio de desenvolvimento do Brasil. E têm uma importância que jamais é explicada.
Não sabem os menos informados que mais ou menos noventa e cinco por cento do dinheiro público é administrado pelos gestores do Poder Executivo, a quem não costumamos chamar de políticos, mas de governador, prefeito e presidente. Assim, prefeitos, governadores e o presidente da república manipulam quase todo o dinheiro público. Se apenas para efeito de argumentação, excluirmos os prefeitos do interior, teríamos cinquenta e cinco pessoas aplicando o grosso do dinheiro dos impostos arrecadados (27 prefeitos de capitais, 27 governadores e um presidente).
É para essas cinquenta e cinco pessoas que devemos olhar quando se fala em corrupção. É para essas pessoas que propomos a efetiva transparência na gestão do meu, do seu, do nosso dinheiro, do dinheiro dos impostos que pagamos.
Quando se fala na Presidência da República estamos na casa dos trilhões de reais por ano. Quando se fala de um governador de Estado, estamos na casa das dezenas de bilhões de reais por ano. Quando se fala de um prefeito de capital estamos na casa dos bilhões de reais por ano. Nessa dimensão, focar repetidamente a remuneração mensal de um vereador, de um deputado ou senador não passa de manobra diversionista. Principalmente, se assim se age há décadas. Inversão de prioridades. Se o objetivo é fazer respeitar o dinheiro público, por que não começar pelo que é relevante?
Um exemplo simples e direto: a gestão da dívida pública e da previdência oficial aplicam em dinheiro algo perto de setecentos bilhões de reais por ano. Isso mesmo: Banco Central e Ministério da Previdência, dois órgãos apenas, usam quase setecentos bilhões a cada doze meses. Isso, sim, é relevante e interessa aos brasileiros. Essas duas contas estão se aproximando uma da outra, em tamanho, embora uma beneficie apenas umas vinte mil pessoas e a outra sustente dezenas de milhões de pessoas.
Os chefes do poder executivo (presidente, governador e prefeito) cuidam de um assunto que é a pedra de toque da corrupção: obras. Estradas, portos, aeroportos, estádios, viadutos, pontes, açudes, hidrelétricas, redes de esgotos, escolas, hospitais, todas envolvendo grandes somas, enormes interesses.
Obras recebem especial atenção de prefeitos, governadores e presidentes. Nada recebe mais atenção da parte deles. Querem fazer obras, vinculam seus nomes a obras, separam dinheiro do orçamento para obras, endividam-se para fazer obras, defendem suas obras, citam suas obras. Todos os chefes de executivo agem assim.
Nenhum deles deu tamanha atenção e prioridade à melhoria da qualidade dos serviços públicos, por exemplo. Nenhum deles ficou conhecido por criar e implantar sistemas de prestação de contas para a população, algum tipo de controle social, outro exemplo. Que governador, prefeito ou presidente da república ficou conhecido por ser transparente (prestar contas do dinheiro público) ou melhorar a qualidade do serviço prestado?
Neste momento, mais uma vez e como sempre, o Brasil tem cinquenta e cinco pessoas que manipulam quase noventa e cinco por cento do dinheiro público, e elas não criaram nem implantaram nenhum sistema de prestação de contas ou de controle social, nem se comprometeram nitidamente a melhorar a qualidade do serviço público. E estão todas focando em obras.
Será isso uma condenação? Ou será que isso pode mudar?
Mas vamos falar de obras…no próximo texto.