Serviço público de qualidade VIII: a quem (não) interessa

Se você se interessa pela qualidade do serviço público, leia atentamente os quatro parágrafos abaixo.

Os órgãos e as entidades públicas deverão estabelecer padrões de qualidade sobre a atenção, o respeito e a cortesia no tratamento a ser dispensado aos usuários; sobre as prioridades a serem consideradas no atendimento; sobre o tempo de espera para o atendimento; sobre os prazos para o cumprimento dos serviços; sobre os mecanismos de comunicação com os usuários; sobre os procedimentos para atender a reclamações; sobre as formas de identificação dos servidores; sobre o sistema de sinalização visual; e sobre as condições de limpeza e conforto de suas dependências.

Os padrões de qualidade do atendimento deverão ser observados na prestação de todo e qualquer serviço aos cidadãos usuários; avaliados e revistos periodicamente; mensuráveis; de fácil compreensão; e divulgados ao público.

Fica criado um Sistema Nacional de Avaliação da Satisfação do Usuário dos Serviços Públicos, e os órgãos e as entidades públicas deverão aferir pelo menos anualmente o grau de satisfação dos seus usuários com o atendimento.

Os órgãos e as entidades públicas deverão implementar os padrões de qualidade do atendimento, bem bem como divulgar amplamente esses padrões de qualidade junto aos cidadãos usuários.

Os quatro parágrafos acima, que abrem este artigo, não são de autoria do signatário. São trechos quase literais de um decreto presidencial (Decreto 3.507, de 13/06/2000 e se refere apenas à esfera federal) que completará quinze anos em duas semanas.

Sua transcrição serve para comprovar o que se tem dito nesta sequência de textos: a qualidade dos serviços públicos é uma questão simples, nem chega a ser um desafio. A introdução de um sistema de avaliação é uma ideia fortíssima, de enorme potencial transformador.

Pois bem. O decreto não foi posto em prática, tudo indica, ação que caberia ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Foi mais uma norma que “não pegou”, outro vexame para FHC, Lula e Dilma, que nesse ponto, até hoje, se nivelaram.

Os deputados federais e senadores ignoraram o exemplo que veio do presidente da República (no caso, Fernando Henrique Cardoso, que, com este decreto quase redime-se de tantos outros atos infelizes de sua octaéride) – nenhum deles propôs a transformação em lei para estender o sistema aos Estados e Municípios.

Nenhum Estado e nenhum Município adotou o mesmo procedimento exemplar, nenhum prefeito ou governador interessou-se pelo tema.

Esta constatação serve para comprovar que a qualidade do serviço público não tem merecido a melhor preocupação e a maior atenção nem de prefeitos, nem de governadores, nem de membros do Congresso e nem dos parlamentos municipais e estaduais.

A grande imprensa costuma comprar e pagar por pesquisas de opinião que avaliam governadores e prefeitos (sua popularidade, sua imagem, a imagem de seus governos etc). O Datafolha e o Ibope são apenas os mais conhecidos. Há outras iniciativas, algumas financiadas por entidades empresariais, medindo expectativas, níveis de confiança e outros. Algumas ONGs também pesquisam imagens dos membros do Congresso, percepção da corrupção etc.

Nenhuma dessas pesquisas regulares cuida da qualidade dos serviços públicos, tema que interessa à grande maioria da população.

Será que o mesmo se pode dizer dos servidores públicos e de suas associações e sindicatos? Será que eles também não se interessam pelo tema?

Não é difícil imaginar o poder quase revolucionário que um acreditado e eficaz sistema de avaliação da satisfação do usuário poderia fazer pelo avanço e pela consolidação da qualidade dos serviços públicos.

A quem interessa? A quem não interessa?

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.