Há dias em que aflora a nossa percepção inquiridora sobre coisas aparentemente assentes quando não triviais.
Esta inquietação alcançou-me hoje.
O que é um intelectual na sua acepção aceita genericamente? Quem lê e reclama para si o qualificativo dispensado a quem pensa, exercita-se em teorias e, estuda e produz ideias?
A palavra ”intelectual” tem origem em uma tentativa de inspiração política, nos rastros da Revolução Francesa, para qualificar alguém, pelos seus conhecimentos no campo da literatura e das artes, e conceder-lhe o reconhecimento social do seu talento e o poder para influenciar a sociedade com a sua ”autoridade” cultural.
Um “influencer” a seu modo. A palavra foi utilizada pela primeira vez por Georges Clemenceau e terminou por encontrar aceitação na pena de Émile Zola. Zola emprega o termo pela primeira vez em um artigo publicado no jornal L’Aurore, durante o grande debate suscitado pelo caso Dreyfus.
O vocábulo “Intelligentsia” foi empregado na Rússia, pelo século XIX, e designava os homens da alta estirpe russa, reconhecidos como criaturas de pensamento, cuja influência se fazia sentir na sociedade da época.
O “intelectual” francês era o escritor, o homem de letras e pensamento, o artista, em todas as suas dimensões, com forte referência no plano social e político. Escrevia para os jornais e publicava, agitava ideias nas rodas de convivência, nos clubes políticos, no meio jurídico e acadêmico. Tinha opinião e voz. Esses personagens passionais pertenciam a correntes políticas e partidárias, eram monarquistas, republicanos, homens de Estado, clérigos e jornalistas. A credencial para tornar-se “intelectual” consistia em escrever, falar e exercer voluntariamente um ofício que chegaria a ser remunerado — e ter ideias.
Ter ideias, escrever e tornar-se politicamente conhecido, eram requisitos essenciais para alguém tornar-se um intelectual. E viver do seu “métier” e dispor de meios suficiente para ser acolhido entre os eleitos recebidos pela nobreza, pelo clero e o povo em geral…
Ninguém é intelectual em decorrência de desejo unilateral, auto-afirmativo, por gostar de livros e os colecionar com zelo, de “fazer” vida literária, de comparecer a saraus de artistas, de participar de academias ou assinar manifestos. Não só por isto. Nem por herança recebida.
Há intelectuais e escritores sem um único livro publicado, aqueles que fazem “vida literária” mas não se atreveram, felizmente, a “fazer literatura”.