A Câmara expõe de público as suas entranhas. Freud, houvesse escapado das suas fungadas de cada dia e das rixas teoricas com os contemporâneos, explicaria a natureza da auto-flagelação que se impõe e aos brasileiros. A Câmara recorre a uma atitude, modelo sado-masoquista, no melhor estilo do cavaleiro Casanova.
No fundo o Congresso elegeu como alvo de seu silêncio ou das trovoadas retóricas de alguns dos seus, a decisão presidencial para zerar os impostos da União sobre carburantes em geral.
O sôfrego capitão sofre, a um só tempo, a acusação por crime de renúncia às receitas do Tesouro e por aproveitar-se do período eleitoral para aliciar votos à sua teimosa candidatura. Em ano eleitoral, todos o sabem, só se adoça a boca de eleitor com o Fundo Partidário… Outras formas de convencimento são ilegais, na forma da lei eleitoral…
O Congresso abre mão de contestar a arbitrária decisão do STF ao cassar o mandato de um dos seus pares, de torná-lo inelegível e condená-lo a 9 anos de prisão. Ainda assim, concorda, frouxamente, que tais medidas sejam adotadas, em evidente desrespeito pelas garantias constitucionais das imunidades parlamentares por iniciativa de outro poder ao qual não incumbe tais atribuições.
Senadores e deputados preferem que os impostos sigam a curva inflacionária que castiga os mais pobres, justamente os que não usam gasolina paga pela União. Concordam com que as ações punitivas sejam baseadas em inquéritos policiais e atendam à processualística firmada pelas altas Cortes, à distância conveniente das comissões do Parlamento e do pleno onde se dão as suas decisões mais relevantes.
Este cenário deslocado de razão e lógica deixou perplexos os brasileiros e mutila a consciência política da nação.
O Congresso finge que não vê, faz que não ouve, nada sabe porque um dos seus, eleito pelo povo, deixou de ser parlamentar, perdeu os seus direitos políticos, pagará multa escorchante, com o seu advogado, e curturá 9 anos de prisão, parte da qual em tegime fechado.
Parece que foi outro dia. Mandela, condenado a 28 anos de prisão por enfrentamento de uma ditadura racial, recebeu tantas homenagens no Brasil, e reverências distintas pelos partidos de todos os horizontes políticos. Houve até quem associasse a resistência heróica de Mandela à condenação de Lula pelas pesadas evidências de corrupção, de pronto apagadas pelos desvios processuais irrelevantes apontados pela maioria dos ministros da egregia Corte. Lá o povo arrancou Mandela dos ferros da prisão. Aqui, os juízes se encarregaram dessa boa ação, ao reverem autos e processos e neles encontrarem desvios, omissões de datas e confissões, delações e depoimentos inadequados — sem que a ninguém ocorresse a necessidade da realização da devida e indispensável correção dos erros formais porventura cometidos.
Por estes dias, enquanto um ministro emotivo deitava copiosas lágrimas, sob a forte emoção causada pela tenacidade do advogado de um dos envolvidos nos escândalos da Lava a Jato, o presidente Fux, tomado de incontrolável refluxo de exegese retardada admoestava o advogado desse desorientado deputado Daniel Silveira, pela sua incompetência jurídica, e aplicava-lhe carecidos cuidados pedagógicos, e a condenação a multa pecuniária como medida corretiva pelas demandas ineptas por ele apresentadas em favor do seu cliente e pelo desmazelo das pífias razões….
Por um triz, não foi criada ali, na hora, teoria nova e regra impositiva, perante aquele sodalício de luminares da ciência jurídica, sobre a competência de juízes de derradeira instância e de todas as outras que a antecedem, para acolher ou rejeitar a defesa de advogados — por comprovada discrepância de origem, com vistas aos pressupostos politicos e ideológicos determinados, a seu juízo, pelos relatores…
O poder judiciário responderá perante a história — a única instância disponível na espécie — por esse comportamento autoritário, que põe em risco as instituições republicanas e democráticas desta acidentada república.
O poder legislativo responderá diante da nação, já que não lhe sobram outras esferas de correição, por prevaricação política pela omissão no cumprimento de atribuições suas, conforme o entendimento das prescrições constitucionais, em defesa das prerrogativas do Legislativo.
Aos eleitores, caberá, entretanto, fazer o “recall” coletivo dos parlamentares que, por medo, colaboração ou cumplicidade desinteressada, hajam fugido ao cumprimento das suas responsabilidades. E que, no uso das mesmas armas cidadãs, impeçam que injunções familiares e de conveniências partidárias internas, possam conduzir às Cortes mais elevadas juristas despreparados, desvalidos de equilíbrio e prudência, de quem se haveria de exigir, pelo menos, respeito pelas instituições e pela segurança jurídica que a todos proteja e tranquilize. Além, naturalmente, de algumas tinturas, elementares que sejam, das leis, o que não seriam ambiciosas e injustificadas expectativas.