Onde, em qual país do planeta os governantes não têm “conselheiros”, consultores e grupos de assessoria?
Os de Obama eram notórios acadêmicos; Kissinger, um profissional em governabilidade, esteve encrustado em muitos governos.
No ciclo dos governos militares havia um “núcleo duro”, senhor dos ouvidos presidenciais. Aliás, a única oposição aos desígnios do chefe de Estado provinham, nessa época, dos seus assessores diretos.
A mídia e os políticos assentiam e pagavam qualquer preço pelo pedágio de pertencer aos partidos aliados do governo. Passados esses tempos em dó menor, seria compreensível que algumas narrativas fossem douradas em heroicidade, em torno da resistência nas trincheiras das redações e pelos políticos menos expressivos que hesitavam entre a adesão à nova ordem e os riscos indesejados da opisição de asfalto. Houve, entretanto, gestos grandiosos de recusa e revolta que não serão esquecidos.
Em muitos governos americanos, existiam os “ black heads” vindos de Harvard: pontificavam na política, na diplomacia, nas decisões de guerra e paz e em tudo o mais que fosse decisão de primeira necessidade.
Lula ocupou todos os gabinetes com “coletivos” recheados de companheiros, cópia paulista dos sovietes dos bolchevistas de Lênin e Trotski. Lá estavam, ombro a ombro, entredevorando-se na disputa pela atenção do timoneiro — Zé Dirceu, Palocci, a turma de “sovietes” de São Bernardo, os inspiradores da Universidade de São Carlo, prefeitos fora do cargo, alguns uspeanos desgarrados, donos da fórmula mágica que nos transformariam na liderança inconteste da União das Repúblicas Socialistas da América do Sul, algo do tipo UNASA ou coisa assemelhada.
O PT tem lá o seu “campo hegemônico” que controla as decisões partidárias e servia de gabinete paralelo de Lula e Dilma, no Planalto.
Historicamente, os ministérios, no Brasil, vestiam uma carapaça estrutural e orgânica peculiar. Os ministros eram indicados pelos partidos das alianças no governo, com porteira aberta ou fechada. O presidente nomeava, por livre escolha, os secretário-executivos que neutralizavam os ministros. E marcavam o seu território. Os secretários-executivos mandavam para dentro do ministério. Eram agentes e olheiros do presidente. O ministro “mandava” para fora, era uma espécie de porta-voz de terceiros. Os cargos subalternos eram controlados pelo secretário-executivo. Ministros e secretários vinham de tribos distantes, odiavam-se, pisavam um na sombra do outro, destratavam-se educadamente. Com tamanhas contradições, dizia-se pelos corredores do ministério da educação, por onde circulei após o final do ciclo militar, que o único ponto de convergência entre altos funcionários e dirigentes al era — o elevador.
Nunca houve denúncias de governos “paralelos”. A mídia valia-se dessa situação e circulava por essas terras revolutas do poder.
O palácio do Planalto regurgitava de cargos comissionados, preenchidos por representantes de todas as procedências, sindicalistas, militantes de todas as tribos ideológicas e movimentos sociais. Mais parecia a torre de Babel habitada pelos salvacionistas, prontos a dar tudo de si pela remissão dos pecados dos outros…
Ministros não são eleitos, sabe-se, tanto que são demissíveis “ad nutum”. Podem ser demitidos antes de serem nomeados. Logo, conselheiros e gabinetes paralelos não são ilegais. Assim, em cambada, hão de ser um desarranjo organizacional, uma estrutura conflituosa no epicentro das decisões do Estado.
Esse bate-boca vadio da mídia e dos randulfos coléricos é uma frescura sem tamanho. As ranhuras institucionais que se abrem na estrutura do poder do Estado são consequência de um prolongado processo de desgoverno, da quebra da autoridade e de rompimento das bases da democracia. É o resultado do trabalho persistente de lideranças partidárias despreparadas, eleitas pela ignorância do povo em comandita com a estreita convergência entre o público e o privado.
Com Bolsonaro, os gabinetes não funcionam, nem mesmo os paralelos. As instituições perderam força legal e legitimidade. Gabinetes, paralelos ou não, nas entranhadas do poder do Estado, correspondem a uma velha estratégia bolchevique, de legitimar as decisões adotadas em ambiente totalitário. Elas serão legais até que sejam consideradas espúrias pela usinagem das leis ou por comissões de notáveis. Ou por um embargo interlocutório saído das prendas jurídicas de quem as possua.
Para encerrar, um registro perdido dos desvão da história. Mal comparando, Adolfo, ele mesmo, o do bigodinho vaginal, nunca lia os relatórios do alto comando militar, nem os dos seus auxiliares diretos.
Recusava-se a ouvir sugestões e análises estratégicas antes de tomar uma decisão importante. Dizia que não queria deixar-se influenciar pelas ideias e influência de outras pessoas…