Releitura de um livro 20 anos depois: um Estado que não serve à sociedade, um tesouro que continua a ser dilapidado, por João de Paula Monteiro

Estava fora de Fortaleza, quando acessei pelo Facebook uma matéria do economista Osvaldo Euclides Araújo, publicada em 10.06.17, no Blog SEGUNDA OPINIÃO, com o título de Pré-leitura do livro “Banco de Potenciais Humanos”, de Pedro Gurjão. Esta instigante resenha de uma obra lançada vinte anos atrás recebeu de imediato uma enxurrada de curtidas e de entusiásticos comentários. Tive grande vontade de entrar no animado debate que se travava naquela ocasião, mas me segurei até voltar de viagem para poder fazer antes uma releitura deste trabalho sobre administração pública que muito me impressionara desde, quando tomei conhecimento de sua inovadora proposição.

ATUALIDADE DA OBRA

Restou pouco a ser dito sobre o BANCO DE POTENCIAIS HUMANOS – Gestão Estratégica de RH depois do que escreveu o Osvaldo e do que foi acrescentado no Facebook pelas opiniões de administradores, servidores públicos (entre estes, vários que trabalharam sob a liderança do Pedro Gurjão), professores universitários, escritores, artistas e jornalistas, mas quero tratar de um ponto que me chamou a atenção: a percepção quase unânime da atualidade desta obra.

O que explica a validade até hoje de um trabalho sobre gestão escrito há duas décadas, quando se sabe que a regra nesta área é a rápida obsolescência do que é publicado? Para mim, há duas razões: a permanência da situação então diagnosticada por Pedro Gurjão no serviço público brasileiro e a atemporalidade da proposta que apresentou.

UM ESTADO QUE NÃO SERVE À SOCIEDADE

Na fundamentação da necessidade de utilização da ferramenta de gestão Banco de Potenciais Humanos, seu criador demonstrou com clareza que o aparelho do Estado no nosso país não servia, nem nunca tinha servido à sociedade. De fato, o Estado que chegou ao Brasil literalmente a bordo de uma nau portuguesa não foi criado para servir à sociedade, mas para servir-se dela. Mesmo com algumas mudanças, conquistadas ao longo da nossa história, com muitas lutas e sacrifícios, ele ainda mantém muita coisa de sua natureza autocrática e de sua finalidade distorcida, sendo constante seu uso em proveito de interesses privados, com prejuízos, sobretudo, para as camadas da sociedade mais desprovidas de poder.

UM TESOURO QUE CONTINUA A SER DILAPIDADO

A situação do funcionalismo público descrita pelo autor em 1996, também não foi modificada em sua essência. A burocracia do aparelho estatal continua a ignorar o potencial de seus servidores, dilapidando assim um tesouro que tem em mãos. A depreciação do Capital Humano identificada por Pedro Gurjão, prossegue e aumenta cada vez mais o fosso entre o que é necessário realizar pela administração pública e o que está sendo mobilizado do talento de seus funcionários para fazê-lo. Este desperdício tende a ser cada vez mais nefasto à medida que os saltos tecnológicos aceleram a progressão da sociedade do conhecimento, na qual o talento humano é o insumo mais importante.

PROPOSTAS OUSADAS

Nesta obra, a ousadia do Pedro Gurjão não se resume à inovação disruptiva da ferramenta Banco de Potenciais Humanos que criou. Ele aponta outros caminhos nunca trilhados por nossa administração pública, impossíveis de serem descobertos pela cegueira burocrática. Um deles é o da oportunidade de se aproveitar a condição especial dos servidores públicos como elo entre a sociedade e órgãos estatais para “ (…) rastrear a colaboração adicional voluntária que a sociedade civil (não-servidores) puder e quiser dar às transformações político-administrativas do Estado” (p. 16). E é mais enfático ainda, ao defender a necessidade de adoção de um novo modelo de gestão para os órgãos públicos, quando descreve: “Um modelo capaz de gerar consenso, comprometimento e senso de propriedade, de integrar dirigentes e dirigidos, de produzir sinergia, de acolher e estimular manifestações de criatividade, de ensejar inovações, de acompanhar os sistemas de produção e reprodução do conhecimento e de satisfação das necessidades humanas, de buscar parceria e cooperação com a sociedade;” (p. 24). Com argúcia, antevê o servidor público como arquiteto de uma gestão compartilhada, ao construir pontes entre a máquina estatal e a sociedade.

Conhecedor profundo do peso das normas por conta de sua formação jurídica, Pedro Gurjão não deixa de propugnar por mudanças na legislação que possam facilitar o aproveitamento do potencial e o desenvolvimento dos servidores públicos; mas não aceita o imobilismo, afirmando sem meias palavras que “Enquanto essas mudanças não ocorrem, o desenvolvimento e a potencialização dos seres humanos nas instituições públicas podem e devem, por imperativo moral categórico, ser imediatamente iniciados, à margem da camisa de força legal, de forma ousada, pela via da inovação, tendo como pressuposto de legitimidade social a base técnica material de projetos que o Banco de Potenciais Humanos venha a inspirar e gerar (p. 34).

AGIR COMO HOMEM DE PENSAMENTO, PENSAR COMO HOMEM DE AÇÃO”

O BANCO DE POTENCIAIS HUMANOS – Gestão Estratégica, evoca-me a frase acima do filósofo francês Henri Bergson, pois este livro é um produto do pensamento de quem age. Como também ocorre no GUIA DO GESTOR MUNICIPAL, outro trabalho sobre gestão pública de sua autoria, Pedro Gurjão faz aqui reflexões e proposições firmemente embasadas em sua ampla prática como gestor. No caso, a potência de convencimento que decorre da experiência bem-sucedida é reforçada pela formação técnica e cultural do autor como homem de pensamento. E de um pensamento atrevido, criativo, que não se deixa aprisionar por cânones que limitem as transformações que a realidade demanda. Pensando com autonomia, mas com sabedoria, ele não deixa de recorrer a outras fontes de conhecimento e, ao fazê-lo, privilegia criadores de futuro como John Naisbitt, Fritjof Capra, Peter Senge, Alvin Toffler e Peter Drucker.

Este livro clama por uma nova edição! ”

João de Paula Monteiro Ferreira (Médico e Consultor de organizações públicas e privadas. Especialista em Psicoterapia e Psicologia Organizacional).

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