REFLEXÕES SOBRE O BRASIL DE HOJE

Olhando o Brasil com uma visão positiva, somos surpreendidos pela magnitude dos números. Com mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, é o quinto maior país do mundo. A população de 211 milhões de habitantes é a sexta maior do planeta. O PIB, de US$ 2,14 trilhões, é o nono, mesmo com o real bastante desvalorizado após anos de crise. As coisas boas não param por aí. O Brasil é o maior produtor de café do mundo. O terceiro maior exportador de alimentos e o quarto maior mercado de automóveis. A lista de bons indicadores encheria páginas.

No entanto, essa opulência não se traduz na realidade do dia a dia da população. Em 2018, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) atingiu 0,759. O consolo é estarmos entre os países com alto desenvolvimento humano, ainda que longe do clube dos países de muito alto desenvolvimento humano – liderado pela Noruega com 0,953 –, cujo último colocado é o Cazaquistão, com IDH de 0,800. Quando analisamos a desigualdade social, o Brasil se destaca negativamente mais uma vez, ao posicionar-se como um dos mais desiguais do mundo, com Índice de Gini em torno de 0,509 em 2018.

Nosso desafio, portanto, é identificar o que aconteceu para os nossos bons indicadores econômicos e geográficos não terem se transformado em bons indicadores sociais. A natureza nos proporcionou condições para sermos uma das maiores nações do mundo. Por que não somos o que poderíamos ser? Onde erramos? Temos consciência de que a causa não é única, isolada. Mas, tudo índica, o problema está em como nós brasileiros usamos o que a natureza nos deu. Em razão disso, precisamos examinar diversos aspectos para avaliar como estão e, se possível, entender por que se tornaram o que são. E ao final – quem sabe – esboçar caminhos para um futuro melhor.

Embora não sendo a causa primeira, pois consequência direta de decisões equivocadas, vejo a desigualdade como o epicentro de nossos desacertos. Desigualdade herdada da tradição colonialista e escravagista, sem dúvida. Mas que se perpetua ao não proporcionar condições mínimas para a maioria dos brasileiros, que crescem com baixa escolaridade e, portanto, baixa produtividade. Bastaria a maioria ter melhor escolaridade para dobrar ou triplicar a renda per capita e reverter os indicadores sociais deprimentes que apresentamos.

Para isso, não precisaríamos gastar muito mais dinheiro do que é gasto com educação e saúde. Contudo, precisaríamos que os gastos fossem efetivamente com educação e saúde, e não como ocorre com obras escolares superfaturadas, lotes de merenda escolar superfaturados e, em alguns casos, estragada por má gestão. Nos hospitais, os médicos precisariam estar presentes, pelo menos na quantidade de horas em que foram contratados e os remédios fossem disponibilizados de acordo com a necessidade dos doentes e não pela propina dos vendedores.

Muitos outros problemas emergem desse quadro. De um lado, temos uma burocracia inchada e emperrada, que custa muito e pouco produz de resultados. Por outro lado, temos uma Justiça que, além de dispendiosa, implementa processos intermináveis, onerando mais ainda os custos judiciais e reforçando a desigualdade. Em consequência, assegura-se o que chamam de Justiça apenas a quem possui recursos para custear caros advogados e outros custos invisíveis. Quando os acusados fazem parte da burocracia estatal aí é que a Justiça é ainda mais lerda, cristalizando na mente de todos a impunidade como imperativo para que tem poder e/ou dinheiro. Mais desigualdade é a resultante dessa impunidade criminosa.

O sistema de crédito, mecanismo capitalista para proporcionar recursos financeiros a quem não os têm, e com isso acelerar o progresso econômico, no Brasil também é um instrumento de ampliação da desigualdade, por assegurar financiamentos de longo prazo e taxas de juros razoáveis apenas a quem já dispõe de bens para oferecer em garantia. Ora, nesse contexto não podemos culpar as gerações passadas de falta de empreendedorismo, pois como empreender sem crédito? Se isso não fosse bastante para garantir os recursos bons para os mesmos, o sistema de crédito brasileiro limitou-se na maior parte do tempo a operações de curto prazo – inadequadas para financiar desenvolvimento. Além disso, adotou a sistemática de pagamentos mensais, o que obriga aos tomadores pedir o dobro do que necessitam, para terem capacidade de pagar as parcelas iniciais até o negócio ser capaz de gerar caixa. Menos pessoas têm acesso ao crédito e, portanto, as riquezas cada vez mais são concentradas nas mesmas mãos.

Coroando todos esses destrambelhos, punimos os geradores de empregos com custos que dobram o salário efetivamente pago aos trabalhadores e mantemos uma Justiça do Trabalho que processa mais de dois terços dos processos trabalhistas do mundo. Depois, nos damos o direito de afirmar não saber por que o nosso é um dos maiores níveis de desemprego do mundo.

Alguns céticos podem acreditar que essas considerações são teorias conspiratórias, pois nada garante que se a desigualdade fosse menor o crescimento seria maior. Isto seria razoável se não existisse a teoria econômica assegurando que a produção é basicamente dividida em consumo e investimento e que a propensão a consumir diminui com o aumento da renda. Portanto, se a renda nacional fosse mais bem distribuída isso geraria um aumento de consumo que viabilizaria o aumento da produção, emprego e impostos e a desigualdade seria bem menor e a sociedade mais rica ainda.

É importante destacar, para não ser tachado de simplista, que não bastaria ter uma população mais saudável e mais bem-educada com acesso a crédito a prazos longos e mais barato com uma burocracia menos onerosa e uma Justiça mais eficaz. Precisaríamos também ter impostos menos regressivos e uma infraestrutura adequada. Tudo isso seria possível desde que os recursos públicos sejam aplicados corretamente nos investimentos corretos. Jamais será possível produtividade numa economia que é a terceira maior exportadora de alimentos, mas não dispõe de modais ferroviários nem hidrográficos porque os recursos foram aplicados em rodovias dispendiosas, grande parte delas nem sequer pavimentadas nas regiões produtoras.

A conclusão é dolorosa, mas real. O Brasil é ótimo. O problema somos nós, brasileiros. Principalmente os que fazemos parte da elite intelectual, política, social ou empresarial e não estamos sabendo usar as riquezas que a natureza nos proporcionou.

Luís Eduardo Fontenelle Barros

Economista e consultor empresarial.

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Economista e consultor empresarial.